CAMILA DUTRA PEREIRA
Tese de doutorado
Orientador: Charles Feldhaus
Data prevista de defesa: 02/02/2024
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As pesquisas em ética animal usualmente estão pautadas na tensão entre a teoria utilitarista preferencial, de Peter Singer, e as teorias de direitos, como as de Tom Regan e Gary Francione. Contudo, apesar das usuais divergências entre teorias deontológicas e consequencialistas, as teorias desses filósofos têm em comum o fato de se fundarem numa concepção de ética principiológica e, portanto, imparcial e racional - supostamente em detrimento das emoções e da intuição. Esse é o foco das críticas mais comuns advindas das teóricas feministas, que salientam o silenciamento da voz feminina nessas teorias morais.
É relevante identificar as similaridades entre a teoria utilitarista e a visão dos direitos, oferecendo um panorama da dualidade entre a Ética de Princípios, que vem predominando na ética animal nas últimas décadas, e a Ética do Cuidado, das teóricas feministas. Com a ascensão do feminismo na década de 1970, tornou-se notável a influência das teorias feministas nas pesquisas em ética animal, cujas abordagens priorizam as relações contextuais e as particularidades de uma situação para analisar problemas morais, investigando as relações entre a exploração animal e a dominância masculina e, especialmente, os fundamentos da ética do cuidado como alternativa à ética principiológica predominante.
Da relação do movimento feminista com o movimento ecológico, desenvolveu-se o ecofeminismo, que reconhece as interligações entre os sistemas de exploração humano e animal. Essa contração inédita de ecologia e feminismo sobreveio em 1972 na obra de Françoise d´Eaubonne, em que a filósofa defende a necessidade da revolução feminista para a revolução ecológica, atrelando a crise ambiental à dominação dos homens sobre as mulheres e à natureza.
No início da década de 1990, Carol Adams publicou A Política Sexual da Carne, argumentando que a sociedade é regida por uma política patriarcal da cultura que determina o que é consumido pelas pessoas ao associar a ingestão de carne à virilidade e à masculinidade, estas condicionadas ao consumo de carne e ao controle de outros corpos. Nessa concepção, portanto, a opressão dos animais, assim como a das mulheres, está intimamente relacionada ao patriarcado, um sistema de gênero implícito nas relações humanas e animais.
Ao correlacionarem as subjugações sofridas pelas mulheres e pela natureza, as teorias ecofeministas contribuíram para o repensar sobre as opressões ainda presentes na sociedade. O ecofeminismo animalista, por sua vez, alavanca a discussão da defesa das formas de vida não humanas e da natureza em sua totalidade. Nesse sentido, investiga-se se, de algum modo, a parcialidade que advém das emoções ou mesmo das intuições, podem ser úteis e, mais do que isso, indispensáveis para uma teoria ética que busque oferecer respostas alinhadas às pretensões sociais mais urgentes, em especial os direitos animais. Em outras palavras, se a ética deve se fundamentar em uma conversa emocional com a formas de vida não humanas, uma vez que o afastamento do sentimento, usualmente associado às mulheres pela divisão do trabalho imposta pelos homens, bem como a caça às bruxas no início da era moderna, influenciam a visão e subjugação da natureza, associada ao feminino.
A pesquisa se propõe a avaliar as minúcias dessas teorias e as justificativas para a aceitação da ética do cuidado enquanto complemento ou em detrimento da ética de princípios, de modo que a problematização central se concentra em entender de que modo a Ética do Cuidado se relaciona com a Ética de Princípios na questão animal, isto é, de que modo o ecofeminismo animalista se posiciona com relação às teorias que fundamentam a consideração moral dos animais em aspectos unicamente racionais, universais e imparciais. Pretende-se identificar quais as consequências práticas do acolhimento da Ética do Cuidado no que tange ao uso dos animais para experimentação biomédica, alimentação, bem como de que forma é possível interpretar um suposto dever de assistência aos animais abandonados e em risco de extinção na natureza.
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