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Yara Frateschi

Quebrar o silêncio e estreitar laços. Juntas contra o assédio e a violência sexual.

Atualizado: 8 de dez. de 2019


Na transformação do silêncio em linguagem e em ação, é essencial que cada uma de nós estabeleça ou analise seu papel nessa transformação e reconheça que seu papel é vital nesse processo (Audre Lorde)


No dia 27 de novembro de 2019 foi lançada a Rede Brasileira de Mulheres Filósofas. Comemoro a criação da Rede e espero poder contribuir da melhor maneira possível. Em um país de dimensões continentais como Brasil, a Rede é capaz de diminuir distâncias, de nos fazer conhecer umas às outras e nos colocar em comunicação. Estou muito feliz por ver, todos os dias, que há muitos eventos e iniciativas acontecendo no país inteiro relacionados ao nosso tema: mulheres na filosofia. Repetindo Juliana Aggio: um brinde às mulheres filósofas!


Estamos aqui para compartilhar as coisas boas e também as difíceis, hoje eu vou com as difíceis e dolorosas.


Sabemos, pelos artigos publicados por Carolina Araujo, que não há apenas uma enorme desigualdade de gênero na área de filosofia, mas também que as mulheres são continuamente “expulsas” ao longo da carreira e têm muito menos chances do que os homens de chegarem ao topo. A pergunta que estamos nos fazendo é: por que? Quais são as causas materiais e simbólicas que contribuem para essa evasão? Por que a carreira parece impor mais dificuldades às mulheres do que aos homens?


Eu gostaria de contribuir com uma reflexão a esse respeito, que não faço sozinha, mas a partir das rodas de conversa das quais eu e outras colegas temos participado em diversas universidades, das entrevistas que tenho feito com estudantes de graduação e pós-graduação para a pesquisa “Mulheres na Filosofia” e dos depoimentos compartilhados em eventos que tematizam o problema.


Neste post eu escolhi destacar um tema, extremamente grave, relacionado às perguntas que fiz acima: assédio e violência sexual. As rodas de conversa ou entrevistas costumam operar com alguma tranquilidade, até que o tema aparece e sempre aparece. Neste momento, a temperatura do ambiente sobe, raiva, desespero, humilhação, impotência. Definitivamente, as nossas instituições não estão preparadas para lidar com o assunto e as alunas não confiam que a universidade vá apoiá-las e dar prosseguimento às denúncias, principalmente quando o assediador é um professor. A assimetria de poder faz com que a aluna tenha, com razão, muito medo de levar adiante uma denúncia; ela sabe, também com razão, que há grandes chances de outros professores armarem um colchão de proteção para o assediador; ela sabe, com razão, que ficará marcada pela denúncia e que pode ser prejudicada em processos seletivos e até mesmo bancas de contratação. Se esses medos não fossem razoáveis, por que permaneceria calada? São dois os destinos mais comuns: a aluna abandona o curso ou fica sofrendo calada.


Mas quem pode aprender e ser feliz sofrendo calada os efeitos do assédio ou da violência?


Precisamos considerar que a evasão de algumas mulheres pode estar relacionada a essas dores. Precisamos levar a sério que o custo afetivo de permanecer seja alto demais.


O que nós, docentes, podemos fazer? Esta é a pergunta que eu abro para a nossa conversa e deixo aqui algumas reflexões e sugestões, esperando poder ouvir as colegas da Rede.

Penso que precisamos, antes de tudo, contribuir para quebrar o silêncio e criar espaços favoráveis para que as nossas alunas falem sobre o que as aflige e sobre as violências que sofrem: coletivos, rodas de conversa, portas abertas, ouvidos atentos. Nós temos autoridade e condições mais objetivas para cumprir a nossa responsabilidade de enfrentar o machismo toda vez que ele se apresenta, acolhendo as nossas alunas, educando os nossos alunos, levando o tema para sala de aula, para as reuniões de docentes, congregações, institutos e reitoria.


Na Unicamp nós demos um passo importante referente ao tema do assédio e da violência sexual. No ano passado, a reitoria determinou que um Grupo de Trabalho estudasse o tema e o documento resultante propôs a criação de uma secretaria especial para recebimento e encaminhamento de denúncias. O Conselho Universitário acatou a proposta e aprovou a abertura da Secretaria Especial de Atenção às Vitimas de Violência Sexual, com equipe especializada. Com isso a instituição dá um passo muito importante, pois está assumindo que há um problema sério e dizendo para a sociedade que não é conivente.


No entanto, como todas as medidas jurídicas e punitivas, esta também é insuficiente e precária se não vier acompanhada de educação e práticas feministas. Precisamos liderar campanhas contra o assédio desde o ingresso dos nossos estudantes. Alunos, alunas e alunes precisam saber, desde o primeiro dia em que pisam na Universidade, que a instituição está em luta pedagógica contra o machismo e todo tipo de preconceito vinculado ao gênero e à sexualidade. Em 2019 as alunas da filosofia receberam os ingressantes com uma cartilha contra assédio e violência sexual feita por elas mesmas (isso sim é pedagógico!), eu vou gostar de compartilhar com vocês. E também gostaria de pedir que compartilhassem iniciativas nesse sentido, assim como materiais.


Mas não podemos nos iludir. No caso do assédio cometido por professor, mesmo que haja canais e mecanismos institucionais aperfeiçoados de acolhimento e denuncia, a aluna vai continuar a ter receio pela sua carreira. Outro dia uma me disse: “se eu denunciar, ele vai me buscar no inferno”. Se nós não queremos pedir às mulheres mais um sacrifício, muito menos individual, precisamos pensar juntas o que fazer. Acolher, em primeiro lugar. Em segundo lugar, conversar. A Rede pode nos ajudar nisso. Vamos conversar umas com as outras sobre como enfrentar cada caso que se apresenta. Somos poucas em alguns departamentos, mas somos muitas espalhadas pelo Brasil. A nossa articulação em rede nos ampara e protege as nossas alunas.


Vamos nos juntar, quebrar o silêncio e estreitar laços.


Por fim, mas não menos importante. Precisamos buscar a cooperação dos nossos colegas que podem efetivamente ser parceiros na criação de um ambiente acadêmico mais respeitoso com as mulheres. Vamos chamá-los à responsabilidade. Como lembra bell hooks, o feminismo é para todo mundo e será uma batalha perdida se for apenas das mulheres.


Vamos nos ajudar a transformar o silêncio em linguagem e em ação (Audre Lorde).


PS: a imagem que ilustra este post é uma homenagem ao grupo de mulheres LasTesis que criou a performance que se alastra pelo mundo inteiro contra o assédio e a violência sexual.

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