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Foto do escritorLoiane Prado Verbicaro

REDE DE MULHERES NA ACADEMIA: a união contra a invisibilidade e o epistemicídio

Epistemicídio é compreendido como silenciamento, subalternização e invisibilização de saberes não hegemônicos.

Loiane Prado Verbicaro

Doutora em Filosofia do Direito. Professora da Faculdade de Filosofia e do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal do Pará (UFPA). Integrante da Rede Brasileira de Mulheres Filósofas. Integrante do GT “Filosofia e Gênero” da ANPOF.


Texto publicado em 22 de outubro de 2020 no espaço "Opinião e Análise", da série GPEIA, no Jornal JOTA. No texto, falo da experiência e potência da Rede Brasileira de Mulheres Filósofas. Quem sabe não poderíamos ter uma mobilização semelhante para a criação de uma Rede Brasileira de Mulheres Juristas?!


O ensino jurídico contempla, majoritariamente, vozes masculinas como protagonistas do saber, com repercussões na baixa representatividade das mulheres nos espaços institucionais de decisão e nos cargos de liderança e visibilidade acadêmica. O trabalho publicado pela UNESCO “Interações de gênero nas salas de aula da Faculdade de Direito da USP: um currículo oculto?[1] das professoras Sheila, Cecília, Izabella, Lívia, Luciana e Marília revela em detalhes o caráter estrutural da opressão de gênero presente nas práticas e discursos (incluindo os implícitos) acadêmicos, acenando à necessidade de um olhar sensível aos contextos sociais, raciais e de gênero das salas de aula das faculdades de Direito, e para além delas.

A histórica naturalização dessa desigualdade realiza-se, como pano de fundo, à luz dos valores universais do liberalismo. Nota-se, no entanto, a face obscura desses padrões universais de liberdade e igualdade que nunca se aplicaram da mesma forma a homens e mulheres. O universalismo seletivo da construção da modernidade jurídica não foi capaz de desafiar desigualdades estruturais e estruturantes, que se perpetuaram sob o manto da neutralidade quanto ao gênero, legitimando historicamente uma predisposição masculina, com desvantagens sistemáticas às mulheres. Sobre este ponto, referencio a filósofa Seyla Benhabib e sua crítica às teorias universalistas que enfatizam a dimensão do outro generalizado como sujeito que informa o ponto de vista pressuposto pelo cânone dominante, responsável pela invisibilização da mulher no debate moral, político e jurídico contemporâneo e pela consectária reprodução das relações de dominação das mulheres pelos homens.

Decerto que essa assimetria não é exclusiva do Direito. E gostaria de fazer referência a um movimento potente de desencastelamento da voz das mulheres, de união e força coletiva experenciado pela Filosofia. Como professora de Direito e de Filosofia e minha vivência nas duas áreas, penso que a experiência que tem sido construída na Filosofia pode trazer luzes sobre alguns caminhos que podemos percorrer no Direito.

No final de 2019, foi criada a Rede Brasileira de Mulheres Filósofas, um projeto que se apresenta para viabilizar a integração de pesquisadoras, colocando-as em conexão, comunicação e diálogo a partir de seus trabalhos e projetos de ensino, pesquisa e extensão para que, juntas, possam enfrentar os obstáculos de uma área fortemente marcada por um silenciamento e consequente desconhecimento sobre a presença de filósofas e autoras na história do pensamento filosófico, ademais de reivindicar mais igualdade de gênero, considerando as enormes assimetrias na área.[2]

Acreditando que a Filosofia não é um privilégio dos homens, a Rede propõe-se a realizar um resgate das filósofas na Filosofia, além de trabalhar para tornar a área mais democrática, diversa e plural em suas perspectivas e campos de estudo, com o fomento das discussões acerca da inclusão do gênero como categoria filosófica e a partir de uma crítica à tradição moderna para trazer ao debate os marcadores de gênero, raça e classe, que se interseccionam na construção do sujeito concreto.

Nesse contexto, a Rede pretende dar visibilidade ao trabalho desenvolvido pelas mulheres na Filosofia, em todos as regiões, recantos e universidades do país, permitindo conexões, parcerias e servindo de inspiração para que tenhamos mais mulheres na Filosofia e um ambiente simétrico e igualitário, considerando as significativas desigualdades de gênero, de raça, de classe e também as desigualdades regionais (as profundas assimetrias do conjunto federativo brasileiro). A Rede pretende, ademais, ser um importante locus de discussão para uma democratização pedagógica de valorização do trabalho das mulheres, contra o epistemicídio – compreendido como silenciamento, subalternização e invisibilização de saberes não hegemônicos – e todo tipo de preconceito vinculado ao gênero e à sexualidade. Para tanto, defende que os projetos de ensino, pesquisa e extensão, em suas bibliografias e programas de curso, tragam mais filósofas e autoras, assim como, que nos eventos acadêmicos, as mulheres sejam chamadas a participar, a fim de combater sua sub-representação na área e permitir uma maior visibilidade de seus trabalhos, que serve de exemplo e inspiração às alunas e para que se promova a desnaturalização da ideia de que o lugar do pensamento abstrato e conceitual não é socialmente destinado às mulheres, permitindo-se, dessa forma, que as alunas iniciem suas trajetórias mais representadas, fortalecidas e acolhidas.

Penso que a Filosofia e o Direito são áreas resistentes a mudanças estruturais. A realização de um projeto coletivo em Rede que estabeleça a união contra a invisibilidade e o epistemicídio, a exemplo da Rede Brasileira de Mulheres Filósofas, é o caminho capaz de nos unir, apesar da distância, e de nos fortalecer, apesar de sermos minoritárias, para enfrentarmos, cooperativa e solidariamente, os desafios de um quadro de desigualdade social, cultural e institucional que nos invisibiliza e nos secundariza.

[1] Neder Cerezetti et al. Interações de gênero nas salas de aula da Faculdade de Direito da USP: um currículo oculto?, São Paulo, Cátedra UNESCO de Direito à Educação/Universidade de São Paulo (USP), 2019, disponível em: <https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000367420.locale=en>. [2] De acordo com as pesquisas realizadas pela professora Carolina Araújo (UFRJ), as mulheres representam 38% entre os graduados, 28% nos cursos de pós-graduação e 20% no corpo docente de Filosofia.

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