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PSICANÁLISE E FEMINISMO

QUESTÕES RECÍPROCAS

Projeto de Pesquisa, Departamento de Ciências Humanas, UFLA

Coordenação: Léa Silveira

leasilveiralea@gmail.com

A psicanálise participa do debate filosófico a respeito da feminilidade na contemporaneidade na medida em que elabora teorias da subjetividade e dos processos subjetivos que envolvem tanto a produção da sexuação quanto a incidência de fantasias na vida social e política. A pesquisa pretende discutir criticamente, a partir de uma perspectiva feminista, tanto o potencial emancipatório quanto os compromissos da teoria psicanalítica com pressupostos patriarcais.

1- As teses de Freud sobre a sexualidade feminina

O pensamento freudiano certamente conta entre as próprias condições de possibilidade do feminismo. A tese da bissexualidade originária do ser humano é fundamental nesse sentido porque ela serve de ponto de partida para a ideia de que a sexuação resulta de um processo, resulta de um tornar-se. Não estando dada de uma vez por todas, como se se tratasse de algo natural, ela pode ser entendida tanto no seu fator disruptivo relativamente a uma série de constrições tradicional e ideologicamente vinculadas ao organismo biológico, quanto nas possibilidades históricas que carrega consigo naquilo que concerne à própria construção do humano. Mas, por outro lado, não podemos negligenciar o fato de que as últimas considerações de Freud sobre a sexualidade feminina apresentam teses inapelavelmente inaceitáveis. Entre elas, lembremos que Freud situa as mulheres na contracorrente da civilização ao sustentar que nós seríamos menos capazes de sublimação e que possuiríamos um Supereu mais fraco. O objetivo do artigo é mostrar em detalhe como Freud tece suas teses a respeito da inferioridade feminina, sem diminuir o tom dessas teses, sem escamoteá-las e, ao mesmo tempo, tentando mostrar como elas produzem suas próprias armadilhas, ou seja, tentando destacar os momentos em que a argumentação de Freud simplesmente não se sustenta, ficando refém de modo não marginal de seus próprios preconceitos.

 

Manuscrito enviado para publicação.

2- O problema da circularidade fálica em Jacques Lacan

A tese a respeito do caráter fálico da cultura – alojada no coração de Totem e tabu – deu ensejo a um vasto volume de pensamento sobre o que seja a condição feminina, cuja expressão mais contundente talvez esteja registrada no trabalho de L. Irigaray, que, tal como o de J. Kristeva, circunscreve, parecendo cristalizar, o feminino como o outro da cultura, alimentando – em vez de confrontar – a ideia lacaniana de que a mulher está excluída pela natureza das palavras, o que é outro modo de expressar a tese freudiana de que o repúdio do feminino é fundante da cultura. Mas, por outro lado, encontramos na psicanálise o valor de diversos encaminhamentos que, embora carregados de ambiguidades, colocam-se na direção do afastamento da biologia quando se trata de pensar a sexualidade. O que são os Três ensaios senão a defesa de que um corpo só se torna erogeneizado na relação com o outro? De que a multiplicidade das pulsões parciais não carrega de saída nenhum caminho predeterminado no que diz respeito à escolha de objeto? Lacan soube reconhecer o papel da linguagem nisso, trazendo para o primeiro plano as tensões entre enunciado e enunciação na construção da relação entre corpo e cultura. Temos aqui elementos que entram em rota de colisão com a insistência na caracterização da cultura como algo, em si, masculino. Essas questões parecem de fato remeter à necessidade de pensar sobre um modelo de discurso e o texto de Nancy Fraser, Contra o “simbolicismo”: Usos e abusos do “lacanismo” para políticas feministas, tem, de saída, o mérito de pôr isso em relevo. Para Fraser, no entanto, o pensamento de Lacan mobiliza um modelo de discurso que deveria ser evitado pelo feminismo especialmente porque ele faria abstração exatamente daquela dimensão sobre a qual é mais necessário pensar: as práticas sociais e o contexto social da comunicação. O projeto lacaniano traria a promessa de traçar uma convergência entre a problemática freudiana da construção de uma subjetividade na qual incide a questão do gênero e a linguística estrutural, o que traria a cada uma dessas coisas uma correção recíproca. Com Freud, o sujeito falante, eliminado por Saussure, pode ser trazido de volta. Com Saussure, a identidade de gênero pode ser tratada de maneira discursiva, o que permitiria eliminar certas insistências de Freud no biologismo. A princípio, o gênero estaria, assim, mais aberto a mudanças. Mas esse não é o caso, segundo Fraser, porque o lacanismo está marcado por uma circularidade entre a atribuição de um caráter falocêntrico à cultura e a atribuição de um caráter falocêntrico à própria constituição do sujeito. A conferência pretende discutir a possibilidade de situar, em sua força própria, isso que seria o eixo central da crítica de Fraser, bem como questionar a extensão da legitimidade de outros aspectos dessa mesma crítica. Tal percurso permitirá levantar duas questões principais: 1- Em que medida a psicanálise importa politicamente para o discurso feminista? 2- Em que medida questões formuladas em um contexto de reflexão feminista podem e devem nos conduzir a ressignificar, remodelar, ressituar, conceitos centrais da teoria psicanalítica?

 

Publicações: 

SILVEIRA, Léa. “Assim é a mulher por trás de seu véu? ? Questionamento sobre o lugar do significante falo na fala de mulheres leitoras dos Escritos”. Lacuna: Uma revista de psicanálise. v. 3, p. 8-8, 2017.

SILVEIRA, Léa. Simbolicismo e circularidade fálica: Em torno da crítica de Nancy Fraser ao “lacanismo”. Em: PARENTE, Alessandra Martins e SILVEIRA, Léa. Freud e o patriarcado. São Paulo: Hedra, Fapesp, 2020. (no prelo)

3- Discussão de “Psicanálise e feminismo”, de Juliet Mitchell

O livro de Juliet Mitchell – Psicanálise e feminismo (1974/1979), – é inaugural de um certo aspecto do debate entre feminismo e psicanálise pois ele introduz a questão do interesse desta disciplina para a pauta sobre a opressão das mulheres. Esta pesquisa consiste em fazer uma discussão crítica dos argumentos de Mitchell mostrando que, apesar de a autora acenar para um campo externo ao patriarcado, ela acaba por esconder a fragilidade da tese freudiana sobre a inferioridade da mulher por detrás de afirmações trivialmente corretas a respeito da psicanálise, como a afirmação de que a realidade psíquica não corresponde à realidade material ou de que o inconsciente possui uma lógica própria, distinta não apenas da lógica consciente, mas em alguma medida, da lógica dos fenômenos sociais. Mitchell faz isso sem denunciar a dívida que essa tese da inferioridade feminina tem para com a chamada hipótese filogenética freudiana. Esse encaminhamento nos permite situar a seguinte pergunta: se o repúdio do feminino como algo fundante da cultura não se torna inteligível, afinal, nem com certa naturalização que ganha com a hipótese filogenética, nem com a estruturalização de dois modos de gozar na teoria lacaniana (já que isso produz uma circularidade), não seria importante insistir na sua contingência e encontrar o caminho para fazer dessa insistência algo interno à psicanálise?

 

Publicação:

SILVEIRA, Léa. “Sexualidade feminina e herança filogenética: Sobre a tese da inferioridade da mulher na leitura de Juliet Mitchell”. Em: VASCONCELOS, Julia et aliae. Misoginia na psicanálise. São Paulo: Annablume, 2020. (no prelo)

4- A crítica de Simone de Beauvoir à psicanálise

Trata-se de desenvolver três etapas de pesquisa: fornecer um comentário do item O ponto de vista psicanalítico do livro O segundo sexo, apresentar o problema da alienação corporal tal como ele aparece nessa obra, formular algumas questões que decorrem do confronto dos dois passos anteriores com algumas teses de Freud a respeito da sexualidade feminina. Tais questões são, sumariamente, as seguintes. Faz sentido para o feminismo assumir uma inferioridade na condição biológica das mulheres comparativamente à dos homens, ainda que essa inferioridade seja indicada como algo ultrapassado por nosso contexto social e por nossa existência? Tomar essa condição como algo, de saída, inferior, não seria isso já uma tese interna à ideologia do patriarcado em vez de elemento que nos servisse para responder à instauração dessa ideologia? Se recusarmos a ideia de que a opressão das mulheres está relacionada diretamente a “consequências da especificação sexual”, como supõe Beauvoir, ainda teremos alguma resposta para tal estado de coisas? Se não a recusarmos, isso então nos condenaria a assumir, junto com a filósofa, a tese da inferioridade biológica das mulheres? Ora, mas, se este for o resultado, até onde iriam os argumentos contrários à tese freudiana da inferioridade psíquica com sua implicação de destino?

 

Manuscrito enviado para publicação.

5- A mãe preta e o Nome do pai: Questões com Lélia Gonzalez

Trata-se de fazer um comentário e uma discussão do ensaio “Racismo e sexismo na cultura brasileira”, de Lélia Gonzalez, apresentado em 1980 na reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e publicado na Revista Ciências Sociais Hoje em 1984. O objetivo será explorar um de seus temas (o tema da mãe preta) e colocar três questões específicas: uma questão entre pretuguês e emancipação, outra entre inconsciente e história e, por fim, uma questão entre interseccionalidade e crítica da psicanálise. 

 

Manuscrito em fase de elaboração.

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