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MACRINA

Nascimento: por volta de 327

Falecimento: por volta de 379-380 

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Marcos Cardoso dos Santos

Graduando em Filosofia, UFRJ

Fonte: St. Makrina / Macrina the Younger by Anna Edelman
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Informações Básicas:


⦁    Nome da Filósofa: Macrina. No entanto, segundo Durán, Macrina recebera o nome secreto de Tecla em uma visão dada à sua mãe Emélia (DURÁN, 2021, p. 2)
⦁    Data e local de nascimento, data e local de morte: Macrina nasceu por volta de 327 em Cesareia, na Capadócia (Leste da Ásia Menor). Morreu em cerca de 379-380 (DURÁN, 2021, p.1).

Sua mãe Emélia veio da Capadócia e seu pai, Basílio, o ancião, era nativo de Neocesareia, a capital da província romana de Pontus Polemoniacus, ao sul do Mar Negro. Socialmente, seus pais pertenciam à aristocracia fundiária. Ambos os lados da família eram conhecidos por seu comprometimento com o cristianismo. Macrina era a mais velha dos dez filhos nascidos do casal. Macrina, em termos religiosos, era o centro para seus irmãos tornando-se a mãe espiritual e mestra de sua própria mãe, Emélia, e para cada um de seus irmãos (SILVAS, 2008, pp. 1-2). Após a morte de seu noivo, ela se retirou com sua mãe Emélia e alguns ex-criados para uma fazenda da família no rio Íris perto de Anesi, onde viveu uma vida de contemplação, oração e penitência. Em a “Vida de Macrina” de autoria de Gregório de Nisa, obra a partir de agora referenciada como VM (tradução de Adriana Zierer), o autor elogia-a como uma mulher com formação teológica (VM 12/26). Macrina é conhecida pelo fato de ter sido irmã de Basílio e Gregório tendo em vista que esses dois padres da Capadócia eram renomados em sua época. No entanto, segundo Durán, ela não teve suficiente consideração mesmo sendo notórios os seus perfis intelectual e espiritual, e legado que deixou para a cristandade (DURÁN, 2021, p.1). Seu dia comemorativo, conforme calendário litúrgico, é 19 de julho (SILVAS, 2008, p. 93). 


É interessante compreender o contexto da família aristocrática cristã no quarto século da era cristã, tanto na Ásia Menor quanto nas localidades do Mediterrâneo. Silvas usa o termo ‘movimento ascético doméstico’ para descrever o fenômeno bem conhecido


“não tanto de indivíduos, tipicamente mulheres, a viverem uma vida ascética dentro de sua família natural, mas do comprometimento da família inteira em perseguir uma vida de piedade Cristã (SILVAS, 2008, pp. 2-3, tradução nossa)”.


Tal movimento manifestou-se primeiramente quando cônjuges, principalmente liderados pelas mulheres, decidiam-se por um batismo adulto precoce (muito anterior a uma perspectiva de morte), comprometendo-se com as obrigações deste batismo. Na era pós-Constantino essa preocupação não existia, tendo em vista a predominância de um cristianismo muito mais nominal e descompromissado. À época de Macrina, era comum que se adiassem os batismos até a morte, o que gerava para os padres da Capadócia um momento oportuno para evangelizar as famílias cristãs no intuito de persuadir os catecúmenos relutantes e tardios a se batizarem e a se comprometerem com a vida cristã. Como resultado desse movimento, as famílias, em suas casas, viam a prática da politeia greco-romana misturar-se aos valores cristãos e, dessa forma, essa mudança cultural, percebida pelo fomento das Escrituras e tradições da igreja nos lares, revelava a substituição da filantropia, que buscava elogios cívicos, pelo socorro aos pobres sem discriminação. No movimento ascético doméstico famílias cristãs inteiras passam a seguir o exemplo de Cristo (SILVAS, 2008, p.3). Para elucidar tal movimento, no qual a família de Macrina se incluía, Silvas cita as palavras de Elena Giannerelli:


“Nós temos aqui um dos mais interessantes fenômenos da Cristandade do quarto século no ocidente e no oriente: famílias inteiras, acima de tudo aristocráticas, dedicando-se à ascese em seus lares, nos quais o elemento feminino tem uma função de liderança (GIANNERELLI, 1989, p.226 apud SLVAS 2008, p.4, tradução nossa)”.


Nesse contexto de ascetismo, uma atitude marcante de Macrina foi tomar a liderança para a criação da primeira comunidade asceta somente para mulheres. Vale ressaltar que, segundo Durán (2021, p.5), a “fundação do mosteiro de Macrina não responde aos movimentos anteriores da igreja, pelo contrário, a igreja teve que lidar com este despertar religioso das mulheres, que se desenvolveu de forma independente”.


Os próprios escritos de Macrina não estão disponíveis (DURÁN, 2021, p.2). Silvas afirma que, sem dúvida, Macrina teria escrito cartas pelo fato de que possuía discípulos, tal como Vetiana, a qual periodicamente encontrava-se ausente de Constantinopla (SILVAS, 2008, p.248). Como estas cartas não chegaram a público, a principal fonte de informação sobre os aspectos centrais de sua vida é “Vida de Macrina”, escrita por Gregório de Nisa em 381-382. A “Carta 19” e o “Diálogo Sobre a Alma e a Ressurreição” de Gregório também fornecem informações, junto com alguns depoimentos de Basílio e um epigrama de Gregório Nancianceno. “Vida de Macrina” é tida como uma ‘biografia filosófica’ aos olhos de Pierre Maraval (1971, p.23) tendo em vista que se “dedica a mostrar a evolução, o progresso do herói em direção ao seu ideal”. Nesse sentido, Maraval entende que Gregório mostra a vida de uma santa sendo a obra “não somente uma biografia, mas uma hagiografia, a vida de santa Macrina” (MARAVAL, 1971, p. 24). Gregório identifica a obra como uma carta informando que ela se estendeu após ter sido dirigida a um anônimo companheiro das longas reflexões de Gregório centradas na memória da irmã. Anna M. Silvas, no entanto, não vê anonimato no destinatário da carta de Gregório. Silvas o chama de Olympius e relata que Gregório, depois de participar de um concílio em Constantinopla em 381, cumpriu um mandado de visitar uma igreja problemática na Arábia e, ao mesmo tempo visitar Jerusalém. Tendo feito uma parada em Antioquia encontrou o destinatário da carta VM, um homem culto profundamente interessado na vida ascética, provavelmente um monge (SILVAS, 2008, p. 102). De acordo com Durán (2021), Gregório escreve esta obra com a esperança de que uma vida dessa natureza não seria esquecida com o passar do tempo, desejo este considerado como realizado na perspectiva de Durán (2021, p.1). Gregório entendeu a vida da irmã como um modelo a seguir pois, segundo ele, ela ascendeu à mais alta virtude humana por meio da filosofia (VM, 1/26). Conforme Silvas, Olympius, monge e suposto destinatário da carta, ficou impressionado com o que Gregório tinha a dizer sobre sua irmã, sugerindo que ele criasse um memorial para ela por meio da escrita, pois, caso não o fizesse, ‘sua vida resplandecente teria passado inutilmente’ (SILVAS, 2008, p. 102).

 

No contexto da Antiguidade tardia, os filósofos eram vistos como aqueles que defendiam suas ideias com sua forma de vida como um todo. Virtude e filosofia carregavam em si uma representação especial para os cristãos daquele momento histórico (DURÁN, 2021, p.1). Inicialmente, considero importante apresentar o que consta na “Vida de Macrina”, obra de seu irmão Gregório. Ao escrever sua obra, Gregório incluiu breves comentários sobre outros membros da família de Macrina, tais como Emélia, Naucratius e Pedro, sendo assim, a obra constitui-se num tipo de crônica familiar. Como a fama de Basílio, o ancião, eclipsava a história de outros membros da família, Gregório tinha por objetivo apresentar a biografia de Macrina a fim de tirá-la deste imerecido obscurecimento, remediando, assim, a situação (SILVAS, 2008, p.103). Segundo Gregório, mesmo após a morte de seu noivo, Macrina decidiu não se casar mais, embora sua beleza fomentasse o afluxo de grande número de pretendentes. Esta decisão de Macrina foi retratada nos seguintes termos: “ela dizia que era absurdo e contra a lei não ser fiel ao casamento que havia sido arranjado para ela por seu pai, mas ser compelida a considerar outro; porque na natureza das coisas havia apenas um casamento, como há um nascimento e uma morte (VM, 3,4/26)”.


Para Macrina o arranjo de seus pais criara a ligação com um homem que não estava morto, mas que vivia para Deus graças à esperança da ressurreição. Dessa forma, ele estava somente ausente, mas não morto, sendo errado, portanto, não manter a fé com o noivo que estava longe. Em sua decisão por acompanhar para sempre sua mãe, Macrina dividiu com ela a labuta e os cuidados da casa. Nesse relacionamento, Macrina instruiu grandemente sua mãe na filosofia, gradualmente conduzindo-a para a vida imaterial e mais perfeita (VM, 4/26). Gregório comenta sobre como, sob a tutela da filha, ela converteu-se da vida aristocrática, acostumada a mandar, para a vida comum (VM, 5,7/26) na qual teria de renunciar a suas prerrogativas e viver sobre fundamentos iguais junto a ex-escravos (SILVAS, 2008, p.104). Quanto a seu irmão, o grande Basílio, Macrina lhe instruíra filosoficamente a renunciar às glórias deste mudo, haja vista que Basílio encontrava-se envaidecido, além da medida, com o orgulho da oratória, a ponto de desprezar os dignatários locais (VM, 5/26).


Após a repentina e trágica morte de seu irmão Naucratius, Macrina expôs sua virtude filosófica ao enfrentar o desastre com espírito racional, tornando-se suporte na fraqueza de sua mãe, elevando-a do abismo da dor, ensinando à alma de sua mãe a ser corajosa (VM, 7/26). O modo de vida de mãe e filha possuía tão grande altura em filosofia e conduta, que tornava a descrição verbal inadequada. A continência era seu luxo e a obscuridade sua glória (VM, 7,8/26). Este ascetismo era um modo de vida angelical (VM, 8/26). 


O ascetismo na vida de Macrina pode ser dividido em duas fases, a familiar e a vivida no páramo. De acordo com Durán, a fase de ascetismo familiar de Macrina pertence à primeira metade do século IV, enquanto a partida para o páramo, com o início da vida monástica, pertence à segunda metade do mesmo século (DURÁN, 2021, p.4). Gregório afirma que houve mudanças internas e externas na vida de Macrina que tiveram consequências para sua perspectiva ascética. Ao libertar seus servos e escravos, Macrina exerce forte liderança ao elevá-los a condição de irmãos “sem nenhuma consideração com as diferenças de posição social” (VM, 7/26). Para apresentar detalhes sobre a fase monástica de Macrina, recorro à Carta 19 de Gregório de Nissa (Gregory of Nissa, Letter 19), conforme tradução constante em Silvas (2008), páginas 83 a 92. A data exata em que Macrina se retira para o páramo em Ponto não é apresentada por Gregório, entretanto, na sua Carta 19 ele afirma que sua irmã se encontrava na área desértica em Ponto: “Ela habitou em uma parte remota em Ponto, tendo se exilado da vida com os seres humanos” (SILVAS, 2008, p. 87). De acordo com Durán, acreditava-se que Basílio teria sido o primeiro a criar um mosteiro, no entanto, Basílio foi convertido ao ideal ascético por Macrina, abandonando seu “helenismo residual” ainda presente em seus escritos à época (SILVAS, 2008, p. 48). A fundação do mosteiro de Macrina não responde aos movimentos anteriores da igreja, pelo contrário, a igreja teve que lidar com este despertar religioso das mulheres, que se desenvolveu de forma independente. Durán prossegue afirmando que se tratou de um fenômeno de elevado significado para o século IV, tanto no ocidente quanto no oriente, pois famílias aristocráticas inteiras se entregavam à vida ascética, consistindo em uma transformação cujo papel central foi desempenhado pelas mulheres (DURÁN, 2021, p. 5). Silvas também traz argumentos semelhantes pois afirma que uma coisa precisa estar absolutamente clara:


“Macrina não adquiriu sua vida monástica e doutrina de Basílio. Não, as linhas de influência seguiram um processo contrário. A trajetória de Macrina como uma virgem ascética, uma professora, e uma mãe espiritual pré anteciparam, inspiraram, e ilustraram a maturação do próprio ensino cenobítico de Basílio. Ela foi a mãe e a preceptora daquele monasticismo que veio sob o nome de Basílio (SILVAS, 2008, p. 48, tradução nossa)”


Algo interessante trazido por Silvas é que a primeira casa para homens ascéticos foi instituída ao lado da comunidade de mulheres virgens já existente na comunidade (SILVAS, 2008, p. 44). A forma final de comunidade então existente em Anise ocorreu quando se encontrou uma forma de integrar homens dedicados às suas fileiras (SILVAS, 200, p. 45). Silvas prossegue afirmando algo que considerava bastante curioso:


“O último avanço no desenvolvimento da comunidade em Anise não foi a de encontrar uma forma de afiliar mulheres dedicadas a uma comunidade de homens ascetas, mas antes de incorporar os homens em uma comunidade ascética presidida por duas mulheres, primeiramente Emélia, viúva, e Macrina, virgem [...] (SILVAS, 2008, p.45)”.


Chama a atenção o fato de, diferentemente de Durán, Silvias não considerar a existência de dois tipos de mosteiros, um masculino e outro feminino, conforme classifica Durán (2021, p.4). Durán conclui sobre a existência de um mosteiro masculino ao trazer a passagem em Vie de Sainte Macrine, tradução francesa de Piérre Maraval, onde Gregório de Nissa afirma que: “Comme j’arrivais sur les lieux mêmes, et que la nouvelle de mon arrivée avait été annoncée à la fraternité, le groupe des hommes tout entier sortit du monastère à ma rencontre” (MARAVAL, 1971, p. 195). Silvas, por sua vez, utiliza a seguinte tradução da mesma passagem em inglês “So I reached the very place, rumour having already announced to the brotherhood my immanent arrival. The whole company of the men came pouring out from the men’s quarters toward us […] (SILVAS, 2008, p.127)”. Enquanto Maraval diz que os homens teriam saído do mosteiro (du monastère) para se encontrarem com Gregório, Silvas diz que eles saíram de seus aposentos (quarters). Silvas critica Maraval por haver feito uma má tradução pois entende que o termo mosteiro é usado para a irmandade (adelphotes) como um todo, incluindo o aposento das mulheres (SILVAS, 2008, p. 127). Sendo assim, não havia dois mosteiros em Anesi que partilhavam de uma igreja em comum (DURÁN, 2021, p.4), mas, conforme a perspectiva de Silvas, um mosteiro com dois aposentos distintos. Dessa forma, o pioneirismo de Macrina estaria em ter estabelecido uma primeira comunidade asceta para mulheres, que posteriormente recebeu a integração de homens, e não em ter criado o primeiro mosteiro feminino. Interessante que a passagem em questão na versão em português de Adriana Zierer não se refere a ‘mosteiro’, mas a ‘cômodos’ (VM, 11/26).


Para uma reflexão sobre o pensamento de Macrina, convém que me dedique neste ponto a certos aspectos constantes no “Diálogo Sobre a Alma e a Ressurreição”. A tradução utilizada é a que consta na obra de Silvas (2008), das páginas 171 a 246, possuindo o seguinte título em inglês: Gregory of Nissa, On the Soul and the Resurrection. Após a morte de seu irmão Basílio, Gregório, muito comovido, discute com Macrina, já portadora de uma doença mortal, a vida pós-morte e a ressurreição. Na referida obra, Gregório inicialmente expõe sua dor pela morte do irmão. Macrina, ao ouvir o irmão, apresenta como remédio para a dor o aprendizado sobre o que seja a alma. Macrina, conforme constante no item 3 da introdução da citada obra, consola Gregório dizendo que “não se deve chorar por aqueles que dormem, pois esta é a paixão somente para aqueles que não têm esperança”. Macrina na verdade menciona uma passagem do Apóstolo Paulo constante na primeira epístola aos Tessalonicenses no capítulo quatro, versículo treze. Diante de tais palavras de Macrina, Gregório, no entanto, com o coração ainda tomado pelo sofrimento, responde da dificuldade de tomar tal postura, haja vista que todo ser humano tem uma aversão natural à morte. Macrina responde perguntando o que ele considerava exatamente a morte em si que parecesse tão especialmente doloroso, já que o costume da irracionalidade era insuficiente para gerar nele aversão. Gregório responde perguntando se então nada mereceria o choro (SILVAS, 2008, p. 172). Fazendo um gesto com a mão pedindo silêncio, Macrina pergunta a Gregório ‘certamente um tal temor como este lhe perturba e põe um peso em sua mente [...]: que a alma não vive para sempre, mas cessa com a dissolução do corpo?’ (SILVAS, 2008, p.173). Abreviando a resposta de Gregório, verifica-se que ele vê uma ‘obscuridade’ sobre o verdadeiro estado de coisas referente ao assunto da morte e da alma. Para muitos da filosofia helenista isso parece verdadeiro e para outros não. Em resposta, Macrina grita: “Fora com essas teorias pagãs sem sentido!”: 


“Pois por meio delas o inventor de mentiras persuasivamente fabrica teorias enganosas para injuriar a verdade. Guarde isso: tal visão sobre a alma resume-se a nada mais que afastar-se da virtude e olhar somente para o prazer do momento. Dispensa a vida da esperança buscada na eternidade por meio da qual somente a virtude é vantajosa para nós (SILVAS, 2008, p. 173-4)”.


Para Macrina, o pensamento filosófico que rejeita a imortalidade da alma é tido como pagão. Neste aspecto alguns comentadores chegam a questionar o quanto de filosofia realmente existiria no pensamento de Macrina (SILVAS, 2008, pp. 163-7). Seu compromisso com a verdade não existe sem o fundamento das Sagradas Escrituras:


“Mas embora no último caso suas teorias sobre a alma assim procedam na medida em que parecem lhes dar licença, nós não temos direito a tal licença, quero dizer, de afirmar tudo o que quisermos. Em vez disso, nós usamos as Sagradas Escrituras como a regra e a norma de toda doutrina, fixando necessariamente nossos olhos nelas e as aceitando somente o que estiver em harmonia com o objetivo desses escritos (SILVAS, 2008, p.189).


Silvas (2008) esclarece que os apologistas dos terceiro e quarto séculos usavam o termo filosofia e seu campo para descrever o modo cristão de crer e viver. Tais apologistas labutavam para mostrar que o cristianismo era inteligível e crível nos termos do helenismo clássico. Nos quarto e quinto séculos, a filosofia era especialmente aplicada à vida ascética cristã e, consequentemente, ao monasticismo (SILVAS, 2008, p.163). Nesse sentido, Silvas apresenta argumentos pró e contra a concepção de Macrina como uma filósofa. Inicialmente cita Alan Brown que argumenta que assim como a filosofia clássica não era uma atividade abstrata, mas buscava o bem e o que é valioso na vida humana por meio de uma prática da vida moral, da mesma forma o cristianismo estava bastante interessado no que seria o bem para o ser humano. A filosofia não era um tipo de elemento adjunto à fé religiosa, mas esta era intrinsecamente filosófica no seu sentido mais distinto. Segundo Silvas, Gregório de Nissa, e consequentemente Macrina, se encaixam perfeitamente neste cenário descrito por Alan Brown (SILVAS, 2008, p.164). 


E quanto às habilidades e poderes intelectuais de Macrina? Poderia ela, especialmente como uma mulher, realmente ter sido competente para desenvolver alguma forma de argumentação dialética? Conforme Silvas, alguns acadêmicos, mesmo inclinados à linha feminista, respondem que não. Silvas cita Elizabeth Clark a qual afirma que embora seja atribuída a Macrina o conhecimento da tradição filosófica conforme descrito nas argumentações trazidas em “Sobre a Alma e a Ressurreição”, ela duvida que Macrina tivesse tido esse conhecimento e a considera, em grande parte, como um contraste literário para a própria personalidade de Gregório, e como uma outra mulher mais obscurecida do que o revelado em textos escritos por homens (SILVAS, 2008, p. 164).Silvas apresenta também os argumentos dos que viam Macrina como uma filósofa. Vários seriam os indicadores da possibilidade de Macrina ter tido contato com a alta filosofia, assim como das oportunidades que teve para tomar conhecimento das tendências intelectuais vigentes à época e de desenvolver suas capacidades discursivas. O principal indicador seria que seu pai foi um proeminente retórico na capital de Neocesarea, convindo lembrar que a retórica significava todo o mais elevado currículo, incluindo as pesquisas dos filósofos. Depois de Basílio, o ancião, ter morrido em 345 e a mãe, Emélia, ter mudado a família para Anise, é provável que a biblioteca profissional de Basílio tenha ido com a família, principalmente pelo fato de que todos os filhos eram marcados pela mesma educação privilegiada. Esta família estava envolvida na mais alta cultura retórica (SILVA, 2008, pp. 164-6).


Por fim entendo que Macrina, devido à sua ênfase na vida ascética em muto contribuiu para que se fortalecesse a filosofia cristã em sua época. Seu pioneirismo no estabelecimento de uma comunidade ascética, inicialmente para mulheres sob sua liderança, foi marcante na história da cristandade destacando seu papel como mulher filósofa.


Bibliografia:

Obras de Gregório de Nissa sobre Macrina:


CALLAHAN, Woods. Vita Sanctae Macrina;
ZIERER, Adriana (Trad.). Vida de Macrina. Gregório de Nissa (335-395). Disponível em: https://www.ricardocosta.com/traducoes/textos/vida-de-macrina-sec-iv?fbclid=IwAR2DS1-0ZK6MwicRXvgtlEwQfnsJGDPG8Y-B04_6HaiLxkxtBqSWfvVc2-s

Trabalhos acadêmicos sobre a filósofa:
DURÁN, Laura Carolina. Macrina. Mulheres na Filosofia, V 7, N 2, 2021, pp. 1-15. Blogs de Ciência da Universidade Estadual de Campinas.
MARAVAL, Pierre. Grégoire de Nysse: Vie de Sainte Macrine. Paris: Les Éditions du Cerf, 1971.
SILVAS, Anna M. Macrina the Younger, Philosopher of God. Turnhout (Belgium): Brepols Publishers, 2008.

 

Links Úteis:


https://www.blogs.unicamp.br/mulheresnafilosofia/macrina/
https://www.youtube.com/watch?v=ZrcsvjdqIOY
 

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