Recentemente o jornal Folha de SP publicou uma matéria para informar o público a respeito do que “os grandes filósofos estão dizendo sobre o coronavírus”. Filipe Campelo, professor da UFPE, reagiu à seleção de nomes, reclamando, com toda razão, da ausência de brasileiros na lista, sinal de uma “injustiça epistêmica”. Estou plenamente de acordo com ele.
Contudo, eu não rechaço apenas o protagonismo majoritariamente europeu/norteamericano, mas também o enorme desequilíbrio de gênero e de raça reiterado pela lista: dos 16 nomes citados, apenas duas mulheres – Naomi Klein e Judith Butler – além de Paul Preciado, nenhuma negra. Se há uma “injustiça epistêmica”, nas palavras de Filipe Campelo, ela é mais perversa do que parece à primeira vista e também se nos contentarmos em denunciar a ausência de “brasileiros”.
Nesta entrevista para o Caio Souto no programa “Conversações Filosóficas", eu aceito o debate proposto pelo Filipe e sugiro que sejamos ainda mais ousados no enfrentamento do problema, afinal, os discursos autorizados e valorizados na área de filosofia continuam sendo proferidos por vozes que falam, via de regra, de um mesmo lugar social.
Não basta nos propormos a intensificar a conversa filosófica com nossos pares brasileiros e a falar para fora dos muros da universidade se isso não vier acompanhado de um compromisso inadiável com a ampla democratização da produção de conhecimento filosófico no Brasil, em termos de raça, gênero, sexualidade, classe, etnia.
Uma área do conhecimento só pode ser potente, falar com riqueza para dentro e para fora sobre os assuntos do nosso tempo, que é o tempo da pandemia, se comportar diversidade de perspectivas e de sujeitos do conhecimento: temos ainda que enfrentar isso no Brasil e a boa notícia é que estamos enfrentando. A Rede Brasileira de Mulheres Filósofas é um sinal disso, mas nós temos um longo e tenso caminho pela frente.
Referências:
Entrevista com Filipe Campelo https://youtu.be/PUcMH_pJ-2Q
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