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Marcha pela ciência e a valorização da educação e da pesquisa públicas no Brasil


Thayná Monteiro Rebelo

Aluna do Curso de Direito pelo Centro Universitário do Estado do Pará (CESUPA). Integrante do Grupo de Pesquisa (CNPq): Filosofia Prática: Investigações em Política, Ética e Direito.

Loiane Prado Verbicaro

Professora da Faculdade de Filosofia e do Programa de Mestrado em Filosofia da Universidade Federal do Pará (UFPA). Líder do Grupo de Pesquisa (CNPq): Filosofia Prática: Investigações em Política, Ética e Direito.

A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em parceria com universidades, instituições de pesquisa, entidades científicas, professores e estudantes, organizaram a Marcha Virtual pela Ciência no Brasil, que se realizará amanhã, dia 07 de maio, com a finalidade de ressaltar a importância da ciência, tecnologia e inovação no enfrentamento da pandemia do Covid-19, bem como de discutir os efeitos da crise sanitária na sociedade, na economia e no sistema de saúde, promovendo um diálogo entre pesquisadores do país por meio das redes sociais e do Portal da SBPC. O objetivo é a necessária valorização das ciências como forma de combate à pandemia e de suas principais consequências nas diversas esferas da vida, especialmente em um país tão desigual como o Brasil, em que os impactos do novo coronavírus recairão em maior medida na população mais pobre e nos grupos mais vulneráveis. Dessa forma, discutir essas temáticas por meio de pesquisas e estudos é fundamental para o devido enfrentamento, afastando-se do negacionismo científico e de “achismos” infundados, inconsequentes e levianos.


O cenário de combate ao Covid-19 no país é ainda mais sensível em decorrência dos constantes cortes de verbas nas ciências, nas universidades, nos laboratórios, bolsas de estudos, insumos, com uma pauta de intensa desvalorização do conhecimento científico, o que permite que discursos ideológicos baseados em “gurus” estejam em voga, ganhando espaço em detrimento do conhecimento sério e rigoroso da ciência. No entanto, mesmo diante da crescente depreciação da educação no país, é importante registrar que as universidades públicas brasileiras estão na linha de frente do combate ao novo coronavírus, com destaque internacional.


A Marcha Virtual pela Ciência também visa reiterar a importância do documento “Pacto pela Vida e pelo Brasil,” elaborado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns (Comissão Arns), Academia Brasileira de Ciências (ABC), Associação Brasileira de Impressa (ABI) e SBPC. O Pacto ressalta a importante colaboração dos entes federativos e sociedade civil ao combate da pandemia, a defesa do isolamento social e da formulação de políticas públicas, especialmente visando atender aos grupos sociais vulnerabilizados. Além disso, o documento prima pela valorização da ciência, com a finalidade da promoção de diálogos sérios e propositivos ao enfrentamento do vírus.


O evento destaca como principais discussões a defesa do isolamento social, medida recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e sociedades médicas e científicas, os cortes dos recursos à ciência, tecnologia e inovação no país, a precariedade dos sistemas de saúde e educação e a necessidade de criação de medidas ao combate à crise econômica, tendo por base o respeito e atenção às populações mais pobres e vulneráveis, como forma de não acirrar as desigualdades sociais e econômicas já existentes.


As melhores respostas à pandemia do novo coronavírus em seus aspectos sanitários, sociais, políticos, econômicos, jurídicos, humanitários, só podem ser encontradas a partir de pesquisadores, suas universidades e centros de pesquisa, com a união de esforços das diversas áreas de conhecimento, de acordo com um projeto integrado, capaz de refletir à luz de todas as complexidades envolvidas. Nesse sentido, é importante dizer, ainda que seja o óbvio, que em um projeto fortalecido e democrático de educação e de sociedade deve haver a valorização da diversidade dos domínios do conhecimento: ciências exatas e da terra, biológicas, da saúde, engenharias, agrárias, linguística, letras e artes, sociais e humanas. Um especial destaque à área de humanidades tão estrategicamente espezinhada e tachada como inútil. As humanidades (e a filosofia em especial) promovem o pensamento crítico e reflexivo opondo-se ao processo de instrumentalização econômica, permitindo a humanização da humanidade, contra a desertificação que sufoca o espírito e leva a barbárie. É pelas humanidades e também pelas ciências sociais que discutimos desigualdades estruturais e seus marcadores de opressão, raça, classe, gênero, como forma de contribuir para a elaboração de políticas públicas à construção de uma sociedade mais justa, livre de preconceitos e igualitária. É por intermédio desses estudos que podemos refletir sobre os impactos e consequências da pandemia com o deslocamento do ordinário e o recrudescimento de problemas sociais, políticos, econômicos e éticos preexistentes que, em momentos pandêmicos, são agravados, tais como: o aumento da violência e da opressão de gênero; a insuficiência do neoliberalismo enquanto sistema de acumulação que acena ao esgotamento da ideia de democracia como norma política; a fragilidade dos direitos humanos, com especial destaque à precarização das relações trabalhistas e dos serviços públicos de saúde e ao aumento da pobreza diante da persistência de uma agenda de austeridade e de medidas que maximizam a importância do mercado e os imperativos de eficiência em detrimento das diretrizes e recomendações científicas, do ser humano e de políticas sociais e de igualdade. As Portarias nº 34 da CAPES e nº 122 do CNPq de 2020 revelam a tacanhez do projeto educacional no país, com o esfacelamento da cultura e das distintas lentes e perspectivas de construção de saberes a partir da diversidade e complexidade dos problemas humanos.


O fortalecimento das universidades públicas e dos sistemas sociais e de saúde viabilizam a adequada infraestrutura para o avanço da cultura, ciência, tecnologia e inovação, com a proteção de vidas e o aumento do bem estar humano e social. A política de austeridade fiscal projetada para financiar cortes de benefícios sociais e de direitos, bem como para promover a descontinuidade de programas e pesquisas científicas em razão das reiteradas reduções orçamentárias às universidades e dos ataques à educação e à autonomia universitária, com o desmonte dos sistemas públicos saúde, agrava significativamente a profunda crise que estamos vivendo.


O respeito à ciência afasta a crença em fórmulas mágicas ou soluções messiânicas que têm sido tão propagadas com fake news e posturas execráveis como a do Presidente dos Estados Unidos Donald Trump que recomendou detergente para curar o coronavírus, o que gerou intoxicação em vários norte-americanos. Repreendido, disse o presidente que estava sendo sarcástico. Inadmissível também é a defesa apaixonada do Presidente do Brasil Jair Bolsonaro para o uso de medicamentos sem comprovação científica de eficácia; bem como suas falas em cadeia nacional minimizando a pandemia ao equipará-la a uma “gripezinha”; as reiteradas atitudes de desdém às recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), ao chamar o povo de volta ao trabalho com discursos agradáveis à racionalidade econômica segundo os quais “pior que o medo da epidemia deve ser o medo do desemprego”; as constantes reuniões em aglomerações e ainda sem o recomendado uso de máscara protetora; e suas reiteradas manifestações de abominosa indiferença aos números crescentes de mortes com o seu infando “E daí?”. Mais do que irresponsabilidade, é um insulto à valorização da vida e à ciência.


A pandemia tem sido fortemente politizada. Conviver com a mazela sanitária, com o profundo luto e fragilidade da nossa existência tem sido um desafio e um momento de inflexão para a nossa civilização. Associar esse momento a todas as irresponsabilidades, desmandos e acirramentos políticos e ideológicos torna-se ainda mais dramático. A politização da pandemia enfraquece a valorização da ciência como o caminho seguro para nos guiar em meio a tantas incertezas e desesperança. Exemplo estapafúrdio encontramos na fala do Ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, ao referir-se ao vírus como disseminador estratégico do comunismo, denominando-o de “comunavírus”. No Brasil, a politização do Covid-19 ganha proporção assustadora, caminhando ao lado de teses negacionistas e em descompasso com a ciência. Infelizmente, a luta não é apenas contra o vírus. É também contra a insuficiência da nossa rede hospitalar em razão dos reiterados cortes de verbas à saúde e à pesquisa científica, fruto da agenda de austeridade fiscal e do descaso com a educação e com a vida; é contra a crise social, política, econômica e humanitária que precariza ainda mais vidas já precarizadas. É preciso vir aqui para reafirmar o óbvio civilizatório: a educação, a pesquisa e as universidades, contra a tragédia do obscurantismo, da indiferença e da barbárie.


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