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POR QUE O FEMINISMO DEVE SER TAMBÉM SOCIALISTA?

ROBERTA DA CUNHA RODRIGUES

Dissertação de mestrado

Orientadora: Maria Cristina Longo Cardoso Dias

Data prevista para a defesa: 15/03/2021




Os movimentos de mulheres que se fundamentam em perspectivas éticas e políticas liberais, historicamente, demonstraram serem insuficientes e problemáticos diante das demandas sociais e políticas dos mais variados grupos que compõem a sociedade, pois não alcançam a raiz que fundamenta as opressões, isto é, se mantém na superfície do problema. Tal insuficiência se deve ao fato de que a tradição do feminismo liberal trata a questão da subordinação feminina como uma questão autônoma, desvinculada das outras opressões provocadas e acentuadas pelo modo de produção capitalista, como pode-se observar a obra de Betty Friedan (1971). Para compreender essa problemática, é necessário explorar a teoria do valor de Karl Marx (2013) e, partindo de autoras como Silvia Federici (2017), Heleieth Saffioti, Angela Davis (2016) e Ana Montenegro (1981), entender como o modo de produção capitalista acentua todas as opressões, sejam elas de classe, raça ou gênero, e se beneficia das mesmas para a sua manutenção e para o avanço do capital.

São as mulheres que, além de trabalharem no âmbito da produção, trabalham também no âmbito da reprodução da força de trabalho, realizando as atividades que permitem que trabalhadores estejam sempre prontos para ser explorados, sem receber remuneração para isso, ou recebendo uma baixa remuneração em condições insalubres, na periferia do sistema de produção. É preciso entender quais as causas desses fenômenos, o que faz com que as mulheres, sobretudo as mulheres negras, permaneçam nessas condições, pois, mesmo que o modo de produção capitalista não tenha criado a inferiorização das mesmas, ele se aproveita dessas condições aprofundando ainda mais as desigualdades. Sendo assim, não só o sexo, mas também a raça são elementos utilizados pelo modo capitalista de produção para acentuar as desigualdades e manter grupos sobre os quais se deposita a intensificação do trabalho, extensão da jornada e salários mais baixos. Para isso, é necessário entender melhor, a partir das sociedades pré-capitalistas, como se deu o processo de acumulação primitiva e desenvolvimento do modo de produção capitalista.

Para sustentar todo o processo de expropriação, exploração e escravização na acumulação primitiva, foi necessário transformar os corpos, em geral, em máquinas de produção, e os corpos das mulheres, em particular, em máquinas de reprodução da força de trabalho. Sendo assim, a divisão sexual do trabalho tornou as mulheres seres dependentes do salário dos homens e, a partir disso, garantiu que o Estado e os empregadores se beneficiassem, a partir do salário masculino, do trabalho não remunerado feminino. Mesmo quando o mercado de trabalho absorve mulheres, estas ainda continuam sustentando duplas e triplas jornadas de trabalho (incluindo empregos formais, trabalho doméstico, cuidados familiares com filhos e etc.) sem a devida remuneração. Ou seja, o modo de produção capitalista se beneficia tanto com a inserção da mulher no mercado de trabalho, como também com o seu afastamento e confinamento no ambiente doméstico tornado privado nesse modo de produção. No primeiro, com o aumento da concorrência, e no segundo com a não remuneração de atividades que não são consideradas como trabalhos.

O modo de produção capitalista precisa criar subcategorias a permanecerem no que se chama exército de reserva para lançar mão deles sempre que necessário, mantendo uma grande fila de espera e a concorrência alta, forçando-os ao sobretrabalho e à submissão absoluta. Para isso, o sistema se utiliza de desigualdades já existentes em sociedades pré-capitalistas para criar marcas sociais que permitem maior exploração, ou seja, é a partir da desumanização ou inferiorização de certos grupos que se torna aceitável e se legitima que eles sejam ainda mais explorados. No caso das mulheres, são identificadas como seres inferiores junto aos trabalhos de reprodução social que são invisibilizados por não produzirem mercadorias (apesar de produzirem a mais importante mercadoria, a força de trabalho).

Um dos principais aspectos utilizados como base de argumentação para a inferiorização social da mulher na sociedade capitalista são suas características biológicas. Isso porque o objetivo do lucro exige que o capitalista racionalize todas as suas escolhas tendo sempre em vista a exigência máxima de produção de seus funcionários, fazendo com que a maternidade sirva de justificativa para mantê-la na periferia do capital. Entretanto, as atividades de reprodução social, sendo apropriadas pela sociedade como um todo, não podem ser consideradas atividades privadas das mulheres, devem ser socializadas a partir da ampliação de creches e escolas, serviços domésticos justamente remunerados (pois as empregadas domésticas sofrem fortemente com os baixos salários e altas taxas de exploração), licença remunerada, cozinhas e lavanderias comunitárias. Tais reivindicações só possuem espaço muito limitado dentro dos moldes de acumulação do capital, pois representam grandes gastos que podem ser evitados com a desvalorização das mulheres e, por isso, nesse modo de produção, a mulher nunca encontrará de fato a resolução de suas reivindicações, mas apenas soluções parciais, uma vez que são essas desigualdades atribuídas a certos grupos (mulheres, negros e negras, indígenas, imigrantes, LGBT’s, pessoas com necessidades especiais) que mantém o equilíbrio de um modo de produção fundado na desigualdade.

É nesse sentido que surge a necessidade de compreender o que há por trás das opressões sofridas pelas mulheres, entendendo que o feminismo não pode ser compreendido como um movimento político autônomo que busca somente a igualdade de gênero a partir de mudanças morais na construção da autonomia feminina a partir de soluções individuais, como propõe Friedan (1971). Para a autora, a libertação da mulher se limita à sua busca pela própria identidade. Nesse sentido, modificar o pensamento e o comportamento das mulheres a partir da transformação da cultura e da educação é suficiente para atingir a finalidade da libertação, mesmo que essa possibilidade só exista para um número muito restrito de mulheres que possui diversos privilégios de raça e classe. Essa perspectiva moraliza uma questão que demanda uma análise materialista-histórica e uma ruptura dentro do modo de produção antes de se deter nos aspectos subjetivos. Isso não significa que estes aspectos não sejam relevantes, mas sim que eles são insuficientes para realizar uma análise completa e profunda sobre as questões feministas.


Referências bibliográficas:


DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. Trad. Heci Regina Candiani. São Paulo: Boitempo, 2016.

FEDERICI, Silvia. Calibã e a bruxa: Mulheres, corpo e acumulação primitiva. Tradução coletivo Sycorax. São Paulo: Elefante, 2017.

FRIEDAN, Betty. Mística Feminina. Trad. Áurea B. Weissenberg. Rio de Janeiro: Vozes Limitada, 1971.

MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política; Livro I. Tradução de Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2013.

MONTENEGRO, ANA. Ser ou não ser feminista. Recife: Guararapes, 1981.

SAFFIOTI, Heleieth. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. 3. Ed. – São Paulo: Expressão Popular, 2013.


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