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Sejamos linguisticamente subversivas e politicamente utópicas!

O que faz de uma filósofa uma insurgente feminista em plenos séculos de privações genereficadas e misérias misóginas de inumeráveis tipos? O que faz de uma mulher uma filósofa em plenos séculos de insulamento e domesticidade forçada e planejada de longa data? Uma domesticidade iletrada a serviço do casamento e da propriedade de linhagem masculina – jamais passada a suas filhas. Só a reclusão herdada de suas mães. O que faz de uma dama uma revoltada?

Ora, me parece que o que faz de uma filósofa uma feminista em plenos séculos de obscurantismo retrocedente é a imposição de uma perda continuada sobre o seu status de cidadã de direito. Não há qualquer outra alternativa possível. A cidadania incluindo aqui a outorga e a legitimidade da escritura – o direito de ser levada a sério como escritora e filósofa; o direito de uma “autonomia filosófica e literária”.

Para as mulheres da modernidade o direto à rebelião passa pelo direito à palavra – à escrita, à fala pública, à publicidade daquilo que Donna Haraway chama – inclusive para os nossos dias ainda – de “poder de significar”. Uma insurreição e uma política do texto, da escrita e da linguagem. Porque, em última instância, é este o poder, de fato. O poder, propriamente dito. Eu tenho feito essa defesa junto de duas mulheres em dois países e séculos diferentes: a inglesa Margaret Cavendish, nascida Lucas em 1623, e a francesa Olympe de Gouges, nascida Marie Gouze, em 1748 – embora eu pudesse também recorrer a outras modernas tais como a dramaturga inglesa Aphra Behn (1640-1689), a francesa Marie de Gournay (1565-1645), ou àquelas a quem a feminista Margaret Walters chama de “amazonas da pena” (Walters, 2005 p.26): Mary Astell (1666-1731), a historiadora e contratualista inglesa Catharine Macaulay (1731-1791) e, evidentemente, Mary Wollstonecraft (1759-1797).

Em especial, eu tenho feito essa defesa junto das obras O Mundo Resplandecente, a utopia filosófica de Margaret Cavendish, e a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã de Olympe de Gouges, a primeira escrita em 1666 – e que ecoa, no meu entender, aquilo que Christine de Pizan já fizera à sua maneira na Cidade das Damas em 1405 – e a segunda escrita em 1791, na França Revolucionária; que talvez o tenha sido bem menos do que se pretendia, claro.Infelizmente, e como é habitual para uma história da filosofia que é canonicamente construída sobre a masculinidade de seus padrões de excelência, Margaret Cavendish é uma de nossas desconhecidas, e tenho tentado recuperá-la para minhas reflexões sobre aquilo que creio ser uma política incessante, a luta política pelo poder de significar o mundo autonomamente com nossas próprias palavras. Para o que deixo aqui o acesso possível a seu único livro traduzido para o português - a utopia com tintas de ficção científica e um projeto de independência e autonomia intelectual, literária, política e econômica, um projeto de domínio sobre o próprio destino, um projeto de criação de um vínculo ou laço comum, de uma memória coletiva, de um espaço político próprio, de um teto todo seu: https://www.amazon.com.br/Mundo-Resplandecente-Margaret-Cavendish-ebook/dp/B07SH2CPNC

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