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Sobre a vida privada das mulheres em quarentena



O Estado de São Paulo está há quase um mês em quarentena por conta do avanço do #CoronaVírus no país. São Paulo aparece como o principal epicentro da pandemia neste momento e já registra mais de setecentos mortos pela Covid-19. A rotina da mais rica e maior cidade do país, por sua vez, foi completamente alterada pela quarentena. Nunca a cidade viu arrefecer dessa maneira a circulação de veículos, pessoas e mercadorias. Pelo menos duas coisas chamam bastante a atenção nesse contexto. Um fato negativo: o absurdo aumento no registro de violência contra a mulher no período. E um fato positivo: a significativa melhora da qualidade do ar em decorrência de uma diminuição recorde da poluição na Capital.

A pandemia escancarou para os paulistanos e paulistanas dois problemas sobre os quais pouco conversamos, embora saibamos de sua gravidade. A vida das mulheres nunca foi tão difícil, e isso porque, é preciso salientar, ela jamais foi fácil... Acostumadas a enfrentar jornadas duplas de trabalho, as mulheres se viram drasticamente atingidas pela pandemia e também pela quarentena. As crianças estão em casa, fora da escola, e por isso demandam atenção e cuidado em tempo integral. Os idosos estão sob maior risco de vida, e cabe, na maioria dos casos, às mulheres dar conta da tarefa de zelar por eles. Aquelas que estão na linha de frente do combate à doença (médicas, enfermeiras, profissionais da saúde e da limpeza, funcionárias de farmácias e supermercados, entre outras) lidam agora com a presença do vírus e veem sua própria saúde e a de seus familiares postas em perigo adicional, seja porque essas mulheres têm de voltar para casa depois de um dia de trabalho em locais de grande circulação de doentes e de possíveis contaminados, seja porque tem de se afastar dos seus, isolamento que as impede de tomar conta destes pessoalmente, em nome da saúde pública. Como se não bastasse, a crise econômica atinge de maneira cruel os mais pobres, e isso não parece sensibilizar o poder público, o qual demora para dar assistência às famílias mais vulneráveis, a maioria delas chefiadas por mulheres. Por fim, houve um aumento significativo nos índices de violência contra a mulher no período. A reclusão ao lar fez com que muitas se tornassem alvo preferencial de companheiros, os quais não hesitam em descontar nas mulheres o estresse e o descontentamento gerado pela pandemia. Não há dúvida: as mulheres se veem agora terrivelmente atingidas pelo fenômeno, de modo que sua vida privada tem se revelado, não um refúgio para onde elas se recolhem para cuidar com tranquilidade daqueles que dependem da sua atenção, mas sim um local de trabalho sobrecarregado e perigoso. São Paulo, assim como a maioria dos lugares, tem vitimado as mulheres no processo de combate ao avanço da Covid-19 no nível da saúde física e mental, mas também em termos econômicos, sociais e relativos à segurança. A pandemia tem reforçado as tintas que colorem o sofrimento das mulheres e é urgente que medidas sejam tomadas no sentido de minimizar ou mesmo erradicar esses ataques a sua qualidade de vida e a sua própria sobrevivência.

Ao olhar pela janela, contudo, paulistas e especialmente paulistanos e paulistanas têm se deparado com um novo horizonte, algo que os impele a refletir sobre o futuro pós-pandemia. O estilo de vida que adotamos até agora, o qual exige enormes deslocamentos de pessoas, gera um trânsito insano, responsável por roubar horas e horas diárias de muitos trabalhadores e trabalhadoras, e isso em meio a condições precárias de transporte, tanto individual quanto coletivo. Nosso trânsito é sem dúvida um problema de saúde pública, e não há mais como esconder esse fato. Ele põe em risco nossa saúde física e mental, além de tirar de nós preciosos momentos os quais poderiam ser desfrutados na companhia daqueles que amamos e que dependem da nossa presença. Ver, depois de semanas de quarentena, fechados em nossos lares, o céu da cidade limpo, o que permite observar as estrelas à noite, é um acontecimento que tem nos espantado. Nós, que estamos acostumados ao céu nublado pela poluição, e que nunca temos tempo para contemplar qualquer coisa, nos dedicamos agora a essa nova possibilidade: contemplar os astros que invadem nossas janelas e varandas. Dos edifícios, e também das casas, os paulistanos e paulistanas fotografam a novidade e espalham seus registros pelas redes sociais. O céu nos ajuda literalmente a suportar o isolamento e suas consequências. Essa visão nos indica um caminho a seguir: começamos limpando o céu, para que a cidade lá fora possa nos ofertar novas cores, sons e aromas.

Não nos esqueçamos, porém, de aliviar as tensões que rondam a vida privada das mulheres: que elas também possam desfrutar no futuro de uma nova cidade, preocupada com o cuidado daquelas que socialmente geram e suportam a vida.

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