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LÉLIA GONZALEZ

Nascimento: 01 de fevereiro de 1935

Falecimento: 10 de julho de 1994

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Maria José Santos Ferreira 

Graduanda em Filosofia, UFRJ

 Foto: Acervo Lélia Gonzalez. Julho, 1979

1. Dados pessoais


Nome de nascimento: Lélia de Almeida  
Nome adotado, após o casamento: Lélia Gonzalez
Data de Nascimento: 01 de fevereiro de 1935
Local: Belo Horizonte/ MG / Brasil
Data de morte: 10 de julho de 1994
Local: Rio de Janeiro/ RJ/ Brasil

 

    Lélia Gonzalez, professora e filósofa brasileira, militante do movimento negro e do feminismo negro, produtora de relevante obra que, ao abordar as raízes da desigualdade social, política e econômica que atinge a população negra, fundamenta o enfrentamento e a resistência aos efeitos desta desigualdade.


2. Dados biográficos


   Lélia Gonzalez nasce em uma família de poucos recursos financeiros, sua mãe teve dezoito filhos, sendo Gonzalez a décima sétima criança. A mãe, de origem indígena e o pai, de origem negra, trabalhavam para sustentar a família, a mãe como empregada doméstica e o pai como ferroviário. 
   Em 1942, a família muda-se para o Rio de Janeiro, indo morar na Favela do Pinto, localizada no bairro do Leblon. Tal mudança ocorre devido ao primogênito, Jaime de Almeida, ser jogador do Flamengo (renomado time de futebol do Rio de Janeiro). 
   Lélia Gonzalez começa a trabalhar muito cedo, como babá, entretanto, segue seus estudos. Em 1946 começa a cursar o ginásio na Escola Técnica Rivadávia Corrêa. Em 1954, conclui o científico no Colégio Pedro II. Em 1958 se torna bacharel em história e geografia pela Universidade Nacional da Guanabara, atual UERJ, onde também se forma em filosofia, no ano de 1962. Faz estudos na área da psicanálise, estudos pós-graduados em antropologia e atua como pesquisadora na PUC entre 1978 e 1994.
   Em 1964, casa-se com Luiz Carlos Gonzalez, de origem europeia. O matrimônio padece do peso do racismo, já que Lélia sofre a rejeição da família do marido, que admitia o relacionamento entre brancos e negros, desde que não fosse consolidado em casamento. No ano de 1965, Lélia Gonzalez fica viúva, Luiz Carlos Gonzalez comete suicídio.
    Profissionalmente, Gonzalez exerce a docência, tanto em instituições públicas, como também em instituições privadas. Leciona em todos os níveis, básico, médio e universitário, (todos eles no Rio de Janeiro) e chefia departamentos de sociologia e política em universidades.
    Lélia Gonzalez presencia o golpe militar no Brasil, em 1964, e sua produção filosófica está inserida em um contexto geopolítico de lutas e enfrentamentos nacionais e internacionais. No Brasil e em diversos países da América Latina, há lutas a favor da democracia; nos Estados Unidos, grandes movimentos de reivindicação de igualdade racial; nos países africanos há lutas por independência. Confrontos com ditaduras militares, movimentos por redemocratização, lutas pelos direitos dos negros e lutas por direitos das mulheres percorrem a vida da filósofa e, de certa forma, justificam seu papel de intelectual e ativista. Gonzalez reflete sob as formas de dominação e, em contrapartida, busca expor e, ao mesmo tempo, construir formas de resistência. Ao longo de sua jornada, ajuda a fundar e/ou integra diversas instituições do campo social, do campo político e  também do campo cultural, todas com viés de resistência, enfrentamento e reivindicação. Dentre elas, destacam-se: MNU (Movimento Negro Unificado); IPCN (Instituto de Pesquisa das Culturas Negras); N’Zinga (Coletivo de Mulheres Negras); Militância Defesa da Mulher Negra; PT (Partido dos Trabalhadores); CNDM ( Conselho Nacional de Defesa da Mulher); Grêmio Recreativo de Arte Negra; Escola de Samba Zumbi dos Palmares; blocos afros e afoxés em Salvador e terreiro de Candomblé no Rio de Janeiro. 
    Para atuar e produzir argumentos intelectuais que sirvam de instrumentos de luta ao leque de opressões a que o povo negro empobrecido (especialmente as mulheres negras) é submetido, Gonzalez questiona teses de renomados autores brasileiros, cujas obras pretendem interpretar o Brasil. Dentre os embates intelectuais, destaca-se o confronto com Oliveira Vianna, Gilberto Freyre e Caio Prado Junior. Ao mesmo tempo, e com o mesmo objetivo de conformar fundamentos argumentativos, a filósofa estuda o universo da antropologia, da sociologia e da psicanálise, buscando, para tal, a contribuição da intelectualidade nacional e estrangeira. Destacam-se como principais influências e interlocuções de Gonzalez: Simone de Beauvoir, Heleieth Safioti, W.E.B. Du Bois, Rose Marie Muraro, Beth Millan, MD.Magno, Florestan Fernandes, Clóvis Moura, Guerreiro Ramos, Abert Memmi, Frantz Fanon, Carlos Hasenbalg, Alice Walker, Abdias do Nascimento, Sigmund Freud e Jacques Lacan.

3. A obra


   A obra de Lélia Gonzalez é composta de livros, ensaios publicados em livros ou revistas acadêmicas, cartas, artigos e entrevistas publicados em jornais da grande imprensa, em cadernos femininos e em periódicos de movimentos e partidos.
   Os livros e ensaios mostram a qualidade intelectual de Lélia Gonzalez, sua capacidade de argumentação dentro do debate acadêmico, a facilidade com que circula pelos campos filosófico, sociológico, antropológico e psicanalítico. Também expressam a habilidade da escritora em compor textos que utilizam linguagem erudita e linguagem coloquial, unindo saberes acadêmicos e saberes populares. 
   Os artigos, as cartas, os discursos e as entrevistas ganham forma de ativismo, explicitam a posição política de Gonzalez de criticar, denunciar e lutar contra a persistência do racismo e do sexismo na cultura e na política brasileira. Contêm, além de depoimentos biográficos, a análise crítica dos efeitos do racismo e do sexismo na vida cotidiana das pessoas negras, assim como também o enfrentamento a esses efeitos.

    Livros:


   Lugar de Negro, escrito em conjunto com o sociólogo argentino Carlos Hansenbalg, onde coube a Gonzalez a primeira parte do livro (O Movimento Negro na Última década) 
   Festas Populares, livro premiado na Alemanha.

    
   Ensaios:


A propósito de Lacan
Cultura, etnicidade e trabalho: Efeito Linguístico e Político da exploração da mulher negra
A juventude negra brasileira e a questão do desemprego
A mulher negra na sociedade brasileira: Uma abordagem político-econômica
O apoio brasileiro a causa da Namíbia: Dificuldades e possibilidades
Racismo sexismo na cultura brasileira
Mulher negra
O movimento negro unificado: Um novo estágio na mobilização política negra
A categoria político-cultural de amefricanidade
Por um feminismo afro-latino
Nanny: Pilar da amefricanidade
A mulher negra no Brasil

Cartas, artigos, debates, discursos:
Mulher negra: um retrato
Duas mulheres comprometidas em mudar o mundo
Alô, alô, Velho Guerreiro! Aquele Abraço!
A questão negra no Brasileiro
Pesquisa: Mulher negra
Mulher negra, essa quilombola
Democracia racial? Nada disso!
De palmares às escolas de samba, tamos aí
Taí Clementina, eterna menina
A esperança branca
Beleza negra, ou Ora yê-yê-ô
E a trabalhadora negra, cumé que fica?
Racismo por omissão
Homenagem a Luiz Gama e Abdias do Nascimento
História de Vida e louvor (uma homenagem a Zezé Motta)
Para minorias, tudo como dantes…
A cidadania e a questão étnica
Odara Dudu: Beleza negra
Discurso na constituinte 
O terror nosso de cada dia
As amefricanidades do Brasil e sua militância
A importância da organização da mulher negra no processo de transformação social
Uma viagem a Martinica I
Uma viagem a Martinica II

Matérias e entrevistas:
Duas mulheres comprometidas em mudar o mundo
Entrevista a Patrulhas ideológicas
A lei facilita a violência 
Entrevista ao jornal Mulherio: Lélia Gonzalez, candidata
O racismo no Brasil é profundamente disfarçado
Mito feminino na revolução malê
A democracia racial: Uma militância
Entrevista ao Pasquim
Entrevista ao Jornal do MNU 

3.1 Principais temas


   A grande premissa que fundamenta o trabalho de Lélia Gonzalez é a de que, na constituição cultural, social e econômica da sociedade brasileira, a população negra trazida da África, sob a condição de escravizada, é elemento estruturante. A partir de tal asserção, Gonzalez empreende o resgate do papel constitutivo do povo negro, ressalta e restabelece sua importância na estruturação do povo brasileiro. Como forma de argumento, a filósofa denuncia que o apagamento do elemento africano foi promovido por políticas ideologizadas sob o viés racista, sexista e eurocentrado. Gonzalez reconfigura a história, reconstitui o passado e busca interferir no presente da população negra empobrecida. A pesquisa histórica e cultural que executa foca nas relações de poder oriundas do período colonial, escravocrata por excelência, que se estende até o século XIX e persiste no século XX, então sob o manto da “democracia”. A condição de precariedade da maioria população negra, mesmo após o fim da escravatura e chegando aos dias atuais, deriva de um conjunto de práticas que visam perpetuar e reforçar o racismo e o sexismo a fim de manter a desigualdade entre as classes sociais. Fundamentada por um amplo campo teórico, durante duas décadas Gonzalez realiza a análise crítica da situação econômica e social da realidade atualizada da população negra brasileira, colhe depoimentos e dados estatísticos que revelam tanto a condição de pobreza dessa população, como também a objetificação de sua cultura. Algumas temáticas ocupam papel central na obra, entre elas:


⦁    o mito da democracia brasileira e o mito da democracia racial
⦁    a mulher negra: seu papel e importância na constituição da sociedade brasileira, a exploração sexual a que foi submetida no passado, ganhando nova configuração no presente, através da hipersexualização e reificação de seu corpo
⦁    a linguagem: entendida enquanto expressão da cultura do povo africano escravizado, representando forma de luta e orgulho; criação de conceitos e categorias como “pretuguês”,  “amefricanidade” e “América Ladina”, que ampliam geopoliticamente o campo de pesquisa e de luta, extrapolam as fronteiras nacionais e criam uma espécie de solidariedade entre África, América Latina e Caribe
⦁    a resistência do povo negro: o mito da subserviência do negro escravizado, a revisão  histórica das lutas, as lutas atuais, a cultura negra como resistência, o movimento negro, o  feminismo negro.

3.2 Desenvolvimento dos temas: alguns exemplos


   No texto, A mulher negra na sociedade brasileira: uma abordagem política-econômica  (1979), seguindo os passos de Ângela Davis, escritora estadunidense que pesquisou o sistema escravocrata nos EUA, Gonzalez revisita criticamente a história da escravização no Brasil. Aborda o sistema colonial, que tinha como traço fundamental a escravidão, negando a humanidade aos povos africanos e retirando violentamente milhões de pessoas de seu universo, para que trabalhassem na produção de riquezas para a elite branca da metrópole e da colônia. De acordo com Gonzalez, a desumanização norteou as relações entre os senhores e as pessoas escravizadas, homens e mulheres negras foram tratados como objetos para força de trabalho em diversas atividades econômicas. As mulheres negras foram mais perversamente atingidas, pois, além da exploração de sua força de trabalho, tanto na lavoura, quanto nos serviços relativos à manutenção da família na casa grande (incluindo aí a criação e amamentação dos filhos das sinhás), tiveram seus corpos sujeitos a constantes violências sexuais pelos senhores. Desta forma, no Brasil, a miscigenação foi efeito de estupro. Este horror foi abrandado através de diversas linguagens e teorias sociológicas, de  tal forma que a violência sofrida pelas mulheres negras escravizadas foi romantizada e a ideia de harmonia racial foi difundida, dando origem ao mito da “democracia racial”. Gonzalez enfrentou os intelectuais que cunharam este conceito e também os que advogaram a favor da miscigenação para o branqueamento do brasileiro.
   A suposta democracia brasileira acoberta relações hipócritas, pois, apesar da liberdade proclamada ao final do século XIX, nem todos possuem boas condições de vida, a maioria da população negra vive na periferia, tem situação econômica precária e não tem acesso a empregos bem remunerados. A exclusão desta população da vida política, econômica e social, em especial da mulher negra, está presente em diversos escritos, dentre eles, no texto, Cultura, etnicidade e trabalho: Efeito linguístico e político da exploração da mulher negra (1979). O relato de casos reais de viés racista empreendidos pela mídia, por membros da sociedade civil e por autoridades institucionais, desdobra-se em outros textos, como por exemplo, Alô, alô, Velho Guerreiro! Aquele Abraço! (entre1979/1981) e Mulher Negra (1984)
    Segundo Gonzalez, pessoas são categorizadas em melhores e piores de acordo com dinheiro, cor da pele e gênero. A pesquisa empreendida pela filósofa problematiza a passagem do trabalho escravo para o subemprego. As mulheres negras, em especial, passam de mucamas, escravas de dentro da casa grande, para empregadas domésticas ou serventes. Tal passagem é naturalizada e reafirmada pela sociedade, que une a suposta função feminina de cuidadora com a condição de mulher negra e pobre. As feministas negras apontaram para o leque de desigualdades a que estão expostas, no qual as questões racial, de classe e de gênero se entrecruzam, e na falta de perspectiva de ascensão social, apresenta-se como “alternativa” a mulheres negras submeter-se à objetificação de seu corpo. As múltiplas discriminações a que estão expostas as mulheres negras revelam as práticas de dominação e ideologias políticas que produzem e reforçam as desigualdades. Alguns textos de Gonzalez são emblemáticos nestes temas, entre eles: Pesquisa: mulher negra (1981); Democracia racial? Nada disso!(1981); A mulher negra no Brasil(1995) e a entrevista ao Jornal do MNU  (1991) 
    Sobre o papel relevante da linguagem em seus escritos e discursos, Gonzalez adota padrões de fala e escrita que rompem com o vocabulário formal. Muitos dos textos possuem estilo irônico, são compostos de linguagem erudita acrescida da linguagem coloquial, alguns recheados com certos deboches, dialetos e gírias. O que se destaca é a valorização do linguajar popular, dando-lhe credibilidade e contestando o mito da existência de uma linguagem correta. Segundo a filósofa, a construção de uma consciência racial, no sentido da importância da cultura na estruturação de uma sociedade, também se dá por meio da linguagem. Os falares das diversas línguas trazidas pelas vítimas do sistema escravagista foram constitutivos de um português afro-brasileiro: um “pretuguês”, reproduzido, principalmente, pela mucama através da função de cuidadora da criança branca (filha dos senhores). No artigo “Racismo e sexismo na cultura brasileira” (1983), Gonzalez utiliza o “pretuguês” incisivamente para abordar a temática expressa no título do artigo. Ao performar um novo estilo de escrita e de discurso, Gonzalez possibilita a escuta de muitas vozes e propicia o diálogo com vários extratos da sociedade, em especial com movimentos populares, das ruas e das periferias. Ao mesmo tempo, tal forma de expressão serve de instrumento de luta e enfrentamento, uma espécie de desafio e convite ao debate, onde os desafiados são, além de renomados estudiosos citados em alguns dos textos, os próprios leitores ou a plateia dos discursos e entrevistas. No texto A categoria político-cultural de amefricanidade de 1988, Gonzalez fundamenta mais precisamente seus neologismos e expõe a dimensão subversiva da linguagem que extrapola as fronteiras nacionais. Gonzalez denuncia também a incoerência entre os discursos proferidos por autoridades brasileiras em congressos internacionais, que valorizam os povos africanos e, ao mesmo tempo, a prática de exclusão e violência a que negros, estrangeiros ou brasileiros, estão expostos cotidianamente. Tal prática é disfarçada através de artifícios linguísticos  como a “boa aparência” para a exclusão a bons empregos e o  “ato de proteger” na frequente violência policial. O texto Por um feminismo afro-latino (1988), ela mostra a importância do intercâmbio cultural e de luta entre países da África, América Latina e do Caribe.
   Outro mito criado pela historiografia construída uniliteralmente pela lógica do dominador/ colonizador branco é a ideia de passividade e submissão do povo escravizado. Tal mito tem como origem a camuflagem das lutas no Brasil e em outros países. A criação de quilombos, que evidenciam a resistência de homens e mulheres negras ao sistema escravagista, é apagada dos livros escolares. O combate à persistência do racismo, do sexismo e de todas as opressões sofridas pela população negra desfavorecida, atualmente se dá através de movimentos de resistência em diversos campos. Mesmo em cenários adversos, os trabalhos das feministas negras, entre elas, Lélia Gonzalez, foram de extrema importância. Elas abordaram a questão racial dentro do próprio movimento feminista e a questão do preconceito de gênero dentro do movimento negro. Em seus discursos, entrevistas e conferências, Lélia Gonzalez defende candidaturas negras e de mulheres a cargos políticos; defende a autonomia dos movimentos em relação aos partidos, ao mesmo tempo que destaca a importância da atuação política institucionalizada. No livro Lugar de Negro (1982), Gonzalez escreve sobre o movimento negro, tema de outros diversos textos, entre eles: Mulher negra, essa quilombola (1981) e O movimento negro unificado: Um novo estágio na mobilização política negra (1985). Dois textos são exemplo da penetração de Gonzalez no campo da política parlamentar: Homenagem a Luiz Gama e Abdias do Nascimento, discurso proferido na Assembléia Legislativa do RJ em 1984 e Discurso na Constituinte, realizado no anexo II do Senado em 1987. Na entrevista ao Pasquim em 1986, Gonzalez expõe sua trajetória de vida que é por excelência um exemplo de resistência.
   
4. A filósofa 


   Deslocar perspectivas, jogar luz em trajetórias apagadas, inflexionar conceitos consagrados, questionar obviedades, apontar equívocos de pensadores, tradicionais ou contemporâneos,  configuram fazeres filosóficos. Tal tarefa ganha uma certa singularidade, principalmente, quando exercida por uma mulher negra, nascida na América, lugar que recebeu o maior número de negros trazidos da África na condição de escravizado. Lélia Gonzalez, no Brasil, utiliza o espaço acadêmico e o espaço público para mexer nas estruturas do pensamento de um país de base escravocrata, questionar o etnocentrismo e as diversas opressões que atingiram e atingem a população negra brasileira, em especial as mulheres negras e pobres. A filósofa reflete sobre os estereótipos construídos pelo pensamento eurocêntrico que adjetivam o corpo negro a fim de subjugá-lo. Ela revisita a história a partir da perspectiva do povo escravizado, pelo viés da luta e da resistência dessa população. Empreende a desconstrução de mitos e “naturalizações” em que se baseia o estudo da formação do povo brasileiro, que camuflam a escalada de opressões como o mito da subserviência do povo negro, o mito da democracia racial e a naturalização da passagem do trabalho escravo para o subemprego. As reflexões, argumentos e ativismo de Gonzalez são fundamentados pela pesquisa acadêmica e pela clareza da crítica social, legitimada por sua condição de mulher negra, nascida dentro de uma classe desfavorecida, em um país de enormes desigualdades. A obra e o modo de vida da filósofa são expressões de seu pensamento crítico. Neste sentido, ativismo, militância e produções acadêmicas são constituídos pelas temáticas antirracistas, de resistência, e sobretudo pela reflexão sobre o entrecruzamento de vulnerabilidade a que as mulheres negras são expostas. Em seus escritos, Gonzalez não foge ao enfrentamento com os teóricos do Brasil, pelo contrário, chama a intelectualidade ao debate e põe em jogo, com propriedade, a perspectiva de uma filósofa feminista negra. A intelectual Lélia Gonzalez tem a voz de uma parcela da população que, por sofrer diversas opressões, possui a capacidade de análise conjuntural e estrutural ampliada, em contraposição aos teóricos que representam a parcela opressora privilegiada, que consciente ou inconscientemente buscam, entre outras coisas, em suas análises, justificar e manter seus privilégios. 
    Embora Lélia Gonzalez não tenha usado os termos decolonialidade e intersecionalidade, sua obra é precursora de tais conceitos e configura-se em fonte para estudos que realizam uma espécie de arqueologia das estruturas racistas e coloniais, assim como também proporciona fundamentos à desconstrução das representações essencialistas da população negra, em especial da mulher negra.

5. Bibliografia


Obras de Lélia Gonzalez:
Gonzalez, Lélia (1977).  A propósito de Lacan. Revista Lugar no. 7 Rio de Janeiro.
___________.(1979). Pensamento Feminino: Sinônimo de Pensamento Colonizado? Revista Singular e Plural, nº 4. São Paulo.
__________.(1981)  Mulher Negra. Jornal Mulherio. Ano 1. No.3. São Paulo.
__________.(1982) E a trabalhadora negra, cumé que fica? Jornal Mulherio. Ano 2, No.7. São Paulo.
__________.(1982) Beleza negra, ou ora yê-yê-ô. Jornal Mulherio. Ano 2, No. 6. São Paulo.
_________. (1982) “O movimento negro na última década”. In: GONZALEZ, Lélia & Hasenbalg, Carlos. Lugar de negro. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1982a, p. 09-66.
_________. (1982) “A mulher negra na sociedade brasileira”. In: LUZ, Madel (Org.) O lugar da mulher: estudos sobre a condição feminina na sociedade atual. Rio de Janeiro: Graal, 1982, p. 87-104. 
__________.(1984) “Racismo e sexismo na cultura brasileira”. Revista Ciências Sociais Hoje. Anpocs. São Paulo.
____________. (1985) “The Black Movement Unified: A New Phase of Black Political Mobilization,”  in  FONTAINE, Pierre-Michel (Org.) Race, class and power in Brazil. Los Angeles, Center for Afro-American Studies
__________ .(1988) “A categoria político-cultural de amefricanidade”. Tempo Brasileiro. Rio de Janeiro: E.d Global, Nº. 92/93.
___________. (1988). “A importância da organização da mulher negra no processo de transformação social”. Raça e Classe. a. 2, n.5, Brasília: MNU.
___________. (1988). Por um feminismo afrolatinoamericano. Revista Isis Internacional. Santiago, Chile/DAWN/MUDAR.
____________. (1988) Humanidades, v. 17, ano IV. Brasília, Ano IV. UNB.
____________. (1987) Festas Populares no Brasil. Rio de Janeiro, Index.
____________. (1987)   O terror nosso de cada dia. Raça e Classe. Ano 1 No. 2, Brasília.
____________. (1988). As amefricanas do Brasil e sua militância. Jornal Maioria Falante No.7 Rio de Janeiro.
___________.(1988). A importância da organização da mulher negra no processo de transformação social. Raça e classe. Ano 2. No. 5. Brasília. 
___________. (1991) Uma viagem à Martinica I. Jornal MNU 20. São Paulo.
___________. (1992) Uma viagem à Martinica II. Jornal do MNU 21. São Paulo.
____________. (1995) The black woman in Brazil. In: Carlos Moore (org.), African presence in the American, NEW Jersey: African World Press, pp. 313-328.
____________. (2015) La Catégorie Politico-Culturalle Amefricanité In: Falquet, Jules, and Azadeh Kian (orgs) Intersectionnalité et colonialité, débats contemporains.” Paris, Les Cahiers du CEDREF 20,  pp 41-55.
___________. (2018) Primavera para Rosas Negras. Editora PanAfricanista, São Paulo.
____________. (2020) Por um Feminismo Afro-latino-americano. RIOS, Flavia; LIMA, Márcia (ORGs). ZAHAR, Rio de Janeiro.
____________. (2020 a) ” Duas mulheres comprometidas em mudar o mundo”. In Por um feminismo Afro-Latino-Americano, Zahar, 2020, pp.281-285.

 Obras sobre Lélia Gonzalez:


AMBRA, Pedro. As Pedras de Exu: a psicanálise em Frantz Fanon e Lélia Gonzalez. Revista Rosa. Número 3. Rio de Janeiro, 2021. http://revistarosa.com/3/as-pedras-de-exu
_____________ O lugar e a fala: a psicanálise contra o racismo em Lélia Gonzalez. SIG revista de psicanálise. São Paulo, 2019.
BAIRROS, Luiza. Lembrando Lélia Gonzalez. Afro-Ásia n. 23. Salvador. 1999, p. 347-368. 
BARRETO, Raquel. Enegrecendo o feminismo ou feminizando a raça – Narrativas de Libertação em Angela Davis e Lélia Gonzalez. Dissertação (Mestrado em História Social da Cultura) – Centro de Ciências Sociais, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,2005.
CARDOSO, Cláudia Pons. “Amefricanizando o feminismo: o pensamento de Lélia Gonzalez”. Revista Estudos Feministas (UFSC. Impresso), v. 22, p. 965-986, 2014.
FELIPPE, Ana Maria. Para (re)ver Lélia Gonzalez. Revista Eparrei. Santos, N 1º. 4,, 2003, p. 8-9. 
RIOS, Flavia. Améfrica Ladina: The conceptual legacy of Lélia Gonzalez (1935-1994). LASA FORUM, v. 50, 2019.
RIOS, Flavia; RATTS, Alex. “A perspectiva interseccional de Lélia Gonzalez”. Em: CHALHOUB, Sidney; PINTO, Flavia Magalhães. (Org.). Pensadores Negros-Pensadoras Negras do século XIX e XX. 1a.ed.Belo Horizonte: Traço Fino LTDA, 2016.
RATTS, Alex; RIOS, Flavia. Lélia Gonzalez. Editora Summus/Selo Negro. São Paulo, 2010.
RODRIGUES, Carla; Monteiro, Juliana de Moraes. “Lélia Gonzalez, uma filósofa Amefricana”. Revista Ideação, V. 1 N. 42, Julho/Dezembro 20/2020
VIANNA, Elizabeth do Espírito Santo. Relações raciais, gênero e movimentos sociais: o pensamento de Lélia Gonzalez 1970 – 1990. Tese de doutorado defendida na Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2006.

Registros em audiovisual com Lélia Gonzalez:
Entrevista   concedida a Mali Garcia para o documentário “As Divas Negras do Cinema Brasileiro”. Lélia Gonzalez – parte 1. Duração: 10’16’’.Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=o9vOVjNDZA8&feature=related
Entrevista de Lélia Gonzalez concedida a Mali Garcia para o documentário “As Divas Negras do Cinema Brasileiro”. Lélia Gonzalez – parte 2. Duração: 11’21’’.Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=aiTfzVKhsGw

Produção em audiovisual sobre Lélia Gonzalez:
Vídeo-aula do Centro de Formação e Pesquisa do Sesc – Intérpretes negras (os) do Brasil: Lélia Gonzalez, por Flavia Rios (2020) Acessível em https://www.youtube.com/watch?v=pNbEEPGukj0
Lélia Gonzalez: Feminismo negro no palco da História, de Elisio Costa, acessível em https://www.youtube.com/watch?v=WxB3SVZ2tzk 
Em busca de Lélia Gonzalez, Beatriz Vieira. 2017 Acessível em https://www.youtube.com/watch?v=TzcKD-8P2zs
Em busca de Lélia Gonzalez, Beatriz Vieira. 2017 Acessível em https://www.youtube.com/watch?v=TzcKD-8P2zs
 

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