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A Lei Natural em Tomás de Aquino: da natura à civitas

CAMILA EZIDIO (UFBA)

Tese de doutorado, defendida em 26/01/2021

Orientador: Marco Aurélio Oliveira da Silva (PPGF/UFBA)




Discursos sobre ética e moral são constantemente construídos e desconstruídos na história da vida humana. É possível encontrar uma variedade enorme de regras, normas e leis que orientam e restringem nossas ações particulares e coletivas na sociedade política em que vivemos, com vistas principalmente a um critério de ordem. Todas essas regras aparecem como preceitos mutáveis em conformidade com a cultura, com o sistema político, com o espaço e com o tempo nos quais atuam. Em meio a esse cenário, há, entre as muitas teorias morais construídas na filosofia, aquelas que, a partir de uma concepção de natureza humana, fundamentam princípios universais e apresentam a possibilidade de superação da de uma ética relativista, baseada no nomos. Tais teorias têm como base o conceito de Lex Naturalis (lei natural), que é, de modo geral, definido como um conjunto de proposições universais e imutáveis, a partir do qual os legisladores da lei humana, os costumes e as ações dos homens deveriam se guiar. Essa lei é dita natural devido a três fatores: ou porque é inata à natureza humana ou porque advém de uma reflexão individual independente de qualquer autoridade moral externa ou, finalmente, devido a ambos.


O objeto de estudo deste trabalho é o conceito de lei natural em Tomás de Aquino. Dentre as muitas teorias sobre o tema, a escolha pelo filósofo não é fruto do acaso. Tomás de Aquino, na visão de muitos comentadores, representa o ponto central entre a tradição antiga e a moderna sobre o estudo da lei natural que se construiu ao longo da história da filosofia e de suas áreas específicas de estudo, como a ética, a política e a filosofia do direito. O objetivo principal desta pesquisa é demonstrar o aspecto político da lei natural em Tomás de Aquino. Em outras palavras, a ideia é mostrar que a lei natural não é apenas um conceito, ou seja, parte de uma teoria medieval sobre a lei, mas, ao contrário, uma regra prática que, em conjunto com as demais regras que compõem uma estrutura legal-jurídica, rege e ordena os atos humanos dentro da comunidade política.


Em conformidade com a definição geral de lei, a lei natural é apresentada por Tomás de Aquino, no chamado "Tratado da Lei", na Suma Teológica I-IIpars, como um conjunto de regras promulgadas intrinsecamente pela própria razão humana. Em resumo, a lei, no sentido geral, é definida como regra e medida pela qual alguém é levado a agir ou a afastar-se da ação. A ação regida pela lei se dá sob critérios de justiça com vistas ao bem, que, em última instância, configura-se como o bem comum, uma vez que a lei é a regra promulgada por aquele que cuida da comunidade política (Estado, civitas). Ao contrário da lei humana, que é escrita e promulgada a determinado grupo de cidadãos por um legislador, a lei natural se caracteriza como um conjunto de preceitos autoevidentes e comuns a todos os seres humanos, na medida em que representa a participação da lei eterna na criatura racional. A lei eterna, por sua vez, é fruto da manifestação da Divina Providência que ordena as coisas do Universo; no homem, ela é a lei natural e, para sua atuação, requer o reconhecimento por parte da razão humana.


Apesar de autoevidente, o conhecimento da lei natural, como mencionado, não é instantâneo, exigindo um processo que envolve intelecto, razão e vontade e que pode ser prejudicado devido às falhas do nosso próprio intelecto, às paixões e aos vícios. Por consequência, faz-se necessário termos tantas outras regras para orientar e legislar nosso agir nos meio social e político nos quais vivemos. Entretanto, Tomás de Aquino observa que é preciso que haja uma relação intrínseca entre a lei natural e a lei humana, visto que os preceitos da lei natural ordenam sobre princípios básicos para a natureza humana, como a preservação da vida e a conservação da prole. Logo, as leis positivas, ao serem escritas e promulgadas por um legislador humano, não podem ser contrárias a nada que seja básico para a natureza dos seres sob os quais legislam. As diversas constituições, governos e sistemas políticos devem, na verdade, reconhecer e respeitar tais princípios básicos postos pela lei natural a fim de garantir que eles de fato existam na sociedade.


Um estudo sobre a lei natural em Tomás de Aquino se configura como uma chave de leitura para temas como os Direitos Humanos e o Direito Internacional. Investigar sobre o conceito lei natural é compreender também algumas das proposições da política da antiguidade clássica que foram reinterpretadas à luz do medievo e deram origem a muitas discussões na modernidade. Em um momento de crise moral e política, como o que vivemos, no qual nossos direitos humanos básicos são atacados constantemente e as leis não nos são claras e acessíveis, é preciso nos debruçarmos sobre temas como esse, que, apesar de nos parecerem longínquos podem, na verdade, apresentar um pano fundo para a análise do nosso tempo presente.


TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. 3ª ed. coord. Carlos Josaphat Pinto de Oliveira, OP. Trad. Aldo Vannuchi et al. São Paulo: Edições Loyola: 2001.


 

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